segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Não tem tarado no meu Houaiss


Isso mesmo, a edição Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que tenho aqui pula da palavra
tão para tegúrio, ou seja, da página 2668 para a 2685.

Escrevi para a editora objetiva, há alguns meses, e nunca recebi sequer uma resposta à minha mensagem.


Quem tiver o Houaiss em casa pode ir lá verificar se não está faltando um pedaço.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Little Nemo




Muitas noites, quando era criança, sonhei que minha cama saía voando pela janela....mas andando, como nessa gravura, eu nunca tinha visto nem em sonho. Achei muito imaginativo e lindo o desenho.

É um convite para a exposição Little Nemo à la Maison d’Autrique que peguei numa loja especializada em vendas de HQs em Bruxelas...uma das inúmeras. Além da cerveja, chocolates, esqueci de dizer que os belgas adoram HQs e são muito conhecidos nesse terreno.

domingo, 4 de dezembro de 2005

Un amour insensé


Comprei esse Un amour insensé e outros livros de Tanizaki em um sebo em Bruxelas, o Pêle-mêle.

Deste autor eu já tinha lido um livro pequenininho (56 páginas), Le Pied de Fumiko (abaixo). O assunto aqui é este mesmo, o pé da moça. Não sei se existe tradução dele para o português.

De Un amour insensé há, creio, duas traduções, uma delas tem por título Naomi e a outra Amor Insensato, da Companhia das Letras.

Este livro trata, grosso modo, da obsessão de Jôji por Naomi e do seu empenho em transformá-la em uma dama ocidental. Jôji Kawai é um engenheiro, funcionário exemplar, 30 anos e encontra Naomi, 15 anos, no bar onde ela trabalha como garçonete. A ocidentalização do Japão é um dos temas recorrentes na obra de Tanizaki. No caso desta em específico, Naomi já foi comparada a esse Japão descaracterizado. Bonita sim, mas superficial, egoísta, mentirosa...Jôji criou um monstro, mas reconhece que não pode viver sem ele. Abandonado ele se arrasta, cede, promete qualquer coisa, aceita todas as condições de Naomi para tê-la por perto. Diz a apresentação desta edição que Amor insensato é a crônica dolorosa da vida do casal.

Naomi já foi comparada também a Lolita, mas a diferença de idade entre o casal deste romance e o de Nabokov é muito menor assim como os objetivos (se podemos chamar assim) de Humbert Humbert e os de Jôji.

Eu gosto muito do estilo e da forma de narrar de Junichiro Tanizaki, sem muitos floreios, com muita ironia.


Algumas de suas obras, As irmãs Makioka por exemplo, foram adaptadas para o cinema.


Junichiro Tanizaki nasceu em Tokio em 1886 e morreu em 1965.

Le Pied de Fumiko

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

A vida nem sempre é rosa


Eis-me aqui, dirigindo carrinho de supermercado, e ainda por cima sujo. Ai, Deus! Cinquenta e dois anos, peitos em cima, bunda em cima, umas rugas aqui e ali no rosto, é verdade, sobretudo agora que não tenho mais dinheiro para o botox e para aqueles cremes milagrosos. Milagrosos, desde que se disponha da bufunfa, claro, claro! Disso não disponho mais. Filho de uma puta, me abandonar assim, depois de tantos anos. Dessa vida nova, uma das coisas que mais detesto é ter que vir a supermercado, ainda mais esse aqui cheio de pobre, ô desgraça, olha aquela ali com salto de um metro às três da tarde...e saia curta! Tenha dó, que falta de classe. É o que chamo de falta de classe, estampar assim a piranhice. Cruzes! Olhe bem as palavras que você anda usando, Leda. Deus-me-livre, não é porque você agora é pobre que tem que vir com essas. Mas, enfim, infelizmente aquilo ali não tem outro nome, é piranhice mesmo, e das boas, essas sandálias baratas, tá na cara que são baratas, feias e altas combinadas com mini-saia. Enfim, o que não deve ser barato nesse supermercado? Ai, coitadas, dignas de pena essas moçoilas de ar idiota. Olha só como anda! Dá até vontade de ir lá explicar “Querida, se você não sabe andar com esses saltos, coloque uns mais baixos, você pensa que aquela modelo que você vê na revista sai por aí a fazer compras de salto? Não, não, a elegância consiste em saber a hora disso e daquilo.” Mas quem sou eu para dar conselhos, cinquenta e dois anos de elegância e aqui, largada com uma mesada ridícula. Isso é outra coisa que não entendo, essa mudança dos tempos, antigamente eu via as mulheres se separarem felizes, com uma bela duma pensão, indo curtir a vida numa boa com os namorados....Agora, quando é a minha vez, me sobra essa mixaria. Sinceramente, os tais mistérios! Bom, o mistério maior é que aquele salafrário conseguiu esconder boa parte do dinheiro dele e o juiz preferiu acreditar. Homens! Mas que merda, não acho nada nesse supermercado. E o pior de tudo, o pior, não fui trocada por uma dessas beldades de vinte ou trinta anos, não, nem fui trocada, simplesmente isso, cansou-se de mim, cansou-se, que eu não levasse a mal. Não disse isso nessas palavras, classe é algo que Frederico tinha de sobra, tinha não, tem né, ele não morreu. Agora sei que está tranquilo e calmo percorrendo a Europa com um amigo, inclusive as más línguas dizem....Eu não quero nem saber, estou fora desse jogo mesmo.
Outro mistério desse universo pobre: porque razão alguns têm que vir ao supermercado com toda a prole? Juntam os pirralhos todos e trazem ao supermercado como se aqui fosse parque de diversões. Ai, que saudade da Dona Zuleica viu, com ela eu não precisava nem me lembrar que supermercado existia, escolhia tudo do bom e do melhor, um verdadeiro chefe. Claro, ela está lá com o Frederico, óbvio, primeiro porque nunca gostou mesmo de mim, me tolerava, isso sim e quando eu viajava, eu bem sei, o Frederico podia transformar a casa em clube gls. Sim, no fundo as más línguas têm razão, eu nunca quis dar ouvidos antes porque me convinha, afinal que marido empurra a esposa para férias de um mês, dois meses até, na Europa sem nem perguntar com quem está indo? Pois é, agora aqui estou dirigindo esse carrinho de supermercado. Que merda! Amantes eu tive de sobra, hoje, quando pego a agenda e ouso telefonar para algum deles, só escuto desculpas das mais esfarrapadas, cada um mais ocupado que o outro, viraram homens de negócio, artistas.....o caramba, até parece! É como se eu tivesse uma doença contagiosa. E tenho mesmo, essa doença se chama pobreza, foram-se as viagens, os bons restaurantes. Frederico-filho-da-puta! Quem diria que aquele homem tranqüilo, elegante e bonito podia puxar assim o meu tapete. O juiz diz que o apartamento, o carro e a mesada que ele me deixou são suficientes. Suficientes, senhor juiz? Eu queria ver se o senhor fosse uma mulher de cinquenta anos, aí a gente podia conversar de igual pra igual. Agora uma coisa eu juro, nesse supermercado chinfrim eu não piso nunca mais, nem que eu tenha que começar a vender minhas jóias. Tudo tem limite nessa vida. Ai, Zuleica, traidora! Sim, fique aí com o seu Frederico, o galante, eu, a fútil me cuido só. Ah, não, nessa fila eu não entro, basta, chega dessas economias estúpidas, não quero saber de futuro, vou arrumar uma Zuleica pra mim.


Leila Silva

Anjos de Prata

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

A máscara

Conto de Daisy Melo. Nossa colega da Anjos de prata que tem um excelente blog novinho em folha: Olhos do Sol.

Nota da autora: Conto baseado em o bebê de Tartalana Rosa de João do Rio.

O carnaval é interessante porque nos dá essa sensação de angustioso imprevisto. Ora, quem não tem sua história de amores perdidos ou achados entre confetes e serpentinas?
Olhando a TV, insone, onde as alas passam com coloridos apressados, (nem sei qual Escola está desfilando) vejo refletido na tela, um rosto macilento, angustiado, de um homem ignóbil, medroso, quase morto, que não me deixa esquecer um fevereiro acontecido há muitos anos. Eu era jovem e tudo então era delicioso. Não havia no carnaval quem não estivesse disposto à surpresas. Os sorrisos eram ofertas, os olhos suplicavam. E os corpos, as pernas, as bundas... Eu era todo momento, todo espera.
Fui com um grupo. Saímos num bloco em Ipanema. Eu usava uma sunga florida, colares havaianos ao pescoço, o peito nu. Lá pelas tantas, cutucou-me uma mão enluvada. Olhei as pernas. Bonitas. Verifiquei os braços, a curva do seio. Vestida de coelhinha, o corpo perfeito, bronzeado. Quanto ao rosto, era um rostinho atrevido, com dois olhos perversos e uma boca polpuda que se ofertava - vontade de morder aquela boca como se fosse um morango maduro, mastigar e engolir o sumo levemente ácido – e uma máscara que tampava o nariz. Tentei beijar-lhe. Culpa da cerveja. Ela recuou, eu me ressenti. Em meio a surdos e tamborins desapareceu mandando-me um adeusinho com as pontas dos dedos. Procurei-a, então, enlouquecido – não tanto pela cerveja, nem pelo batuque - por entre os rostos fantasiados, corpos suados, coloridas alegorias. Ela sumira, a danadinha, junto à multidão. Um homossexual com trejeitos e rebolados, acercou-se de mim vestido de bailarina, soprou-me beijos, tentou me tocar dando-me um encontrão, mas desistiu ao ver a minha careta de raiva e o movimento que fiz com o punho – veado nojento!
Procurei-a por toda noite por entre as ruas do bairro. Não a encontrei. Fiquei desolado.
Já de madrugada, um bate-que-bate longínquo fazia coro com alguns retardatários bêbados que, cambaleantes, atravessavam o samba e a rua. Uma vampira vomitava no chão uma gosma espessa, amparada pelo árabe e a amiga de oncinha. A colombina se atracava com o palhaço já livre da peruca e do nariz, quando a encontrei sentada ao meio-fio de uma das pistas da Vieira Souto, notadamente “alta”.
Aproximei-me com cuidado, segurando-lhe o braço: “Não vai mais fugir, morena”. Enlacei-lhe a cintura e dei-lhe um beijo com toda a paixão e enternecimento que minha situação de carnavalesco ébrio me permitia. Ela assentiu, abraçando-me com força. Deixou-se ficar, as pernas muito juntas, os olhos fechados, imóvel, a balbuciar “meu Deus, meu Deus”, quase desfalecendo. Aquilo me causou um tesão indescritível, logo percebido pelo volume desproporcional na minha sunga. Até que, alguns beijos e muitos minutos depois, tentei tirar-lhe a máscara, mas minha coelhinha assustou-se e escorregou-me dos braços, sumindo novamente ao entrar na Joana Angélica quase correndo.
Não consegui dormir de tesão, frustração e ressaca. Jurei que iria conseguir mais do que beijos no dia seguinte. O carnaval de 75 não ia terminar sem que eu a levasse para cama. Ah, não...
No segundo dia voltei esperando encontrá-la. Chovia fininho, gotas concentradas. Passei longas e torturantes horas, perscrutando cada rosto feminino, buscando cada fantasia cor-de-rosa, percorrendo cada rua, cada bar de Ipanema. A noite já ia alta quando a achei, finalmente, junto à bateria de um bloco sonolento. Sambava. A máscara avultava, parecia crescer. Cheguei-me sorrateiro e beijei-lhe o cangote. Senti uma mistura de loção barata, suor e um leve cheiro de éter, que aumentou em muito o meu desejo. Naquela altura, não pensava em mais nada. Finquei minhas unhas nos seus braços roliços, arranhando sua pele morena. Abocanhei aquela boca carnuda, até sentir na minha um gosto acre de sangue. Ela chegou a tocar com a palma da mão o pára-brisa dum automóvel que passava, enquanto eu agarrava seus cabelos revoltos. Gemia novamente murmurando “meu Deus, meu Deus”, e senti no seu hálito quente e arquejante, o bafo dos animais acuados. Mas fui correspondido e no calor da batucada ela me abraçou, me beijou. Quase soluçava. O tesão foi nos envolvendo, colando pele com pele. Eu a queria, eu era o predador, eu a teria, mas a máscara roçava meu rosto. Então, sem poder resistir, fui aproximando a mão direita, enquanto que com a esquerda a enlaçava mais. De chofre agarrei a máscara. Seus olhos dilataram-se de surpresa. Os meus zombaram de mim. O que vi me causou horror: era uma cabeça estranha, sem nariz, com dois buracos sangrentos atulhados de algodão de onde saía uma gosma amarela, viscosa e purulenta.
Recuei num imenso vômito de mim mesmo. Todo eu nojo. Por um segundo levei a mão ao rosto encobrindo o meu nariz como se não quisesse respirar, enquanto com a outra me preparei para esmurrá-la.
Dei-lhe um soco, sacudi-a com fúria. Ao longe um “abre alas que eu quero passar”. Ela chorava, suplicava baixinho, quase tive pena. Mas o desejo de fazer desaparecer aquele rosto monstruoso, pútrido, de quebrar aqueles dentes estranhos abaixo daquele nariz inexistente era quase imperioso. Não pude me controlar e quanto mais eu ouvia o tum-tum da bateria, mais eu tinha a certeza que ele soava dentro de mim. Tum-tum... Vísceras, sangue... Ódio... Nojo, nojo, nojo...Tum-tum...tum-tum...
Consegui, a custo, afastar-me. Mas não antes de deixar jogado no chão, uma massa desfigurada, hedionda e sangrenta que se misturava à chuva que agora caía com ímpeto. Um corpo disforme e sangrento como o rosto.
Apressei o passo e ao chegar à Praça General Osório, inconscientemente, pus-me a correr como um louco para a casa, o queixo batendo, suando frio, ardendo em febre, parando de quando em vez para respirar e sufocar a ânsia, o nojo, o vômito. Figuras saíam das sombras, os corpos seminus, as fantasias exuberantes, o colorido gasto, manchado pelo temporal. Eram olhos, bocas, seios. Eram pernas, umbigos e nádegas, mercadorias de várias cores, tamanhos e texturas que se ofereciam, agarravam-me, puxavam-me, levavam-me ao compasso do samba. Mas eu só enxergava aquele rosto...Aquele rosto.
Passaram-se semanas, meses. Eu num torpor, sem que tivesse qualquer noticia daquela coitada. Lançava-me às manchetes diárias como um cão faminto chafurdando nas latas de lixo. E nada. Não era possível. Eu a matara, tinha certeza. E foi na frente de todo mundo! Não dormia ouvindo passos no corredor: “são eles, a polícia, vêem me buscar”, temia. E nada. Sofri horríveis pesadelos onde via aquele rosto beijando-me em cópula e eu num gozo louco, esmurrando-o, esmurrando-o, esmurrando-o...
Hoje, trinta anos depois, não esqueço o supremo horror que senti ao olhar aquele rosto disforme. Está tatuado na minha angústia, nos meus pesadelos. É como se de repente eu tivesse aberto a porta de um porão escuro, onde se escondiam centenas de espíritos aflitos e monstruosos. São imagens que se sobrepõem, confundem-me. São vozes que brotam em minha mente, a princípio fluidas, fugazes, sussurros apenas, ecos distantes que depois se transformam em presença, em uma mão enluvada ou em uma fantasia de coelhinha. Vão enredando-me em meus véus, plantando dentro de mim a semente da minha própria dor e incerteza. São delírios, anseios, nojo, nojo, nojo...
Mas nada me causa mais terror, ímpeto, dor e asco do que aquela lembrança insistente, corpórea. Aquela ferida eterna na minha alma, marca indelével de brasa e fogo: quando parei à porta do meu apartamento para procurar a chave é que reparei que a minha mão direita apertava uma pasta oleosa e sangrenta. Era a máscara.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

O homem de cabeça de papelão

[Sem tempo para organizar ou escrever os meus próprios textos tive a idéia de postar aqui este excelente conto de João do Rio. Um pouco longo, talvez, para ser lido na tela, os pacientes verão que vale a pena.]

João do Rio

No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social. O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.— Mas não quero ser nada disso.— Então quer ser vagabundo?— Quero trabalhar.— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.— Eu não acho.— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.— É doido, mas bom.Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...— É da tua má cabeça, meu filho.— Qual?— A tua cabeça não regula.— Quem sabe?Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.— Só caso se o senhor tomar juízo.— Mas que chama você juízo?— Ser como os mais.— Então você gosta de mim?— E por isso é que só caso depois.Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.— Traz algum relógio?— Trago a minha cabeça.— Ah! Desarranjada?— Dizem-no, pelo menos.— Em todo o caso, há tempo?— Desde que nasci.— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...Antenor atalhou:— E o senhor fica com a minha cabeça?— Se a deixar.— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.— Regula?— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.— Há tempos deixei aqui uma cabeça.— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.— Ah! fez Antenor.— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.— Mas a minha cabeça?— Vou buscá-la.Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.— Consertou-a?— Não.— Então, desarranjo grande?O homem recuou.— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.— Faça o obséquio de embrulhá-la.— Não a coloca?— Não.— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.Antenor ficou seco.— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.

domingo, 30 de outubro de 2005

Lendo: Lisbela e o Prisioneiro

Lisbela e o Prisioneiro

Osman Lins
Editora Letras e Artes – 1964
Peça teatral, comédia.


Frederico, Citonho e Leleu falando de Boa Vista:

_ É um lugar muito macho, nem todo mundo se agrada. Basta dizer uma coisa: lá só se vende gravata preta.
_ Oi, e por quê?
_ Porque todo mundo está sempre de luto de algum parente que morreu na faca.
_ Então, é bom, é terra que endurece o coração. Pior é caruaru, que amofina gente e bicho. Sei de um camarada que criou lá uma onça; a onça terminou tão avacalhada que bebia leite num pires, feito gato.
_ Eu já ouvi falar desse negócio. Será verdade? Se fôr, não quero nem passar pela vizinhança.


(P. 46)

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Litoral belga. Flandres.

Bruxelas

Um ano e dois meses sem pisar em Bruxelas, quase nada mudou ou talvez eu ainda nao tenha percebido as mudanças. Chove desde que cheguei e aqui no café internet onde estou tenho direito a um show particular, dois africanos cantam na na lingua deles que nao sei qual é.

Ontem comprei varios livros no sebo ouvindo a chuva bater no telhado.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

No ônibus





Era uma menininha linda,
de mais ou
menos cinco anos,
acompanhada
da mãe.

_ Manhê, olha aquele homem lá, ele não tem perna!

_ Ahn?

_ Aquele lá ó mãe, tá vendo a perna dele, pois então, ele não tem, só tem uma.

_ É filhinha, é como o Fulano, lembra? Ele não tem braço.

_ Hum hum

_ Sabe, ele quase perdeu também as duas pernas, só que Deus foi tão bom que curou as pernas dele, aí ele perdeu só o braço.

_ Mãe! Então por que Deus não curou o braço dele também?

_ ???

[Aqui, mãe com cara de tacho tentando arrumar uma explicação para o inexplicável]

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Leila Silva

Anjos de Prata

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Escuta, Zé Ninguém!

“Nem sequer te apercebes de que a opressão das leis que regulam a tua vida matrimonial decorre naturalmente do teu espírito pornográfico e da tua irresponsabilidade sexual.”
(P.41)

Isto é para o Zé Ninguém, nem todo mundo é Zé Ninguém. Reich é 'meio' radical, mas é uma leitura interessante.

domingo, 16 de outubro de 2005

Visitante






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Kuala Lumpur
Templo de Batu Caves
Leila Silva







[Dois mini contos sobre o mesmo tema: Visitante. O primeiro, Visita da dama de branco, é meu e o segundo, Visitante noturna, da Vera do Val]

Visita da dama de branco


Leila Silva

Nas mãos trazia sempre magnólias. Muitas vezes me visitou e em nenhuma delas vi algo que pudesse lembrar uma foice. Só a delicadeza das magnólias. Nunca pude definir o que se esboçava nos seus lábios, um sorriso, uma tristeza, um convite, uma ameaça?

Tantas vezes bateu à minha porta sem, na verdade, nunca ter ousado passar dos degraus da entrada. A não ser ontem, tão bela toda de branco, se aproximou de tal modo que pude sentir seu hálito quente, quase beijou-me os lábios. Implorei que ficasse ou me tomasse pela mão, me conduzisse...Impassível, meneou a cabeça e foi indo, como veio. Nem as magnólias me deixou.

Magnólias também têm seu tempo.
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Visitante noturna
Vera do Val

Rua estreita e antiga, tudo muito quieto, grandes árvores e jardins, o prédio meio desbotado. Ela subiu as escadas quase pairando; tocando suave o corrimão, no rastro dos dedos dele. Atravessou a porta e reconheceu a sala. Sorriu para os livros espalhados, preciosidades de cores e texturas e o imaginou ali, debruçado na mesa redonda, a ler, quase bêbado, absorto. A escrivaninha ,embaixo da janela de postigos altos, dizia das noites insones. Flutuou sussurrando ternuras, acariciou o sofá de grandes flores azuis ,mergulhou os pés, com preguiça, no tapete cremoso, sentindo o silencio e o chiar do aquecedor. No quarto a luz suave do abajur, travesseiros esparsos.
E ele, adormecido, na cama alta e larga.
Aproximou-se devagarinho. Os cabelos escuros, os olhos fechados, as mãos que ela amava. Viu o corpo do homem derramado, o abandono nos lençóis muito brancos. Cuidadosa desenhou a boca macia com a ponta dos dedos, tocou as têmporas, roçou a pele quente e úmida do sono. Tateou seu macho, reconheceu seus caminhos. Com carinho infinito as mãos em concha se perderam entre as pernas dele. Quando ouviu o gemido se esfumou no ar.

Como uma verdadezinha azul !

Quando ele acordou sentiu o cheiro.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Duas meninas


Melaka, Malasia,
foto por Leila S.


Marina, mas que lugar é esse? Um jardim secreto, Lídia. Não precisa ter medo, é um secreto bom. É só uma brincadeira, brincadeira de duas meninas de 13 anos, nem adultas, nem crianças, Lídia. Calma, calma, é aqui, pronto, é só isso, agora deitamos na relva, sim, isto se chama relva, se quiser pode chamar também de grama, mas eu prefiro relva. Eu achei relva uma palavra bonita, vi num poema outro dia, acho que foi naquele livro que você me emprestou. Eu também tenho lido muitos livros Lídia, muitos, mas quantos significa muito? Lídia, seu nome é tão bonito, quem escolheu foi seu pai ou sua mãe. Foi minha mãe. Sua mãe também é linda, Lídia. E você é uma doll, lembra-se o que é doll? É boneca. Isso mesmo. Você não acha que parece uma doll? Não sei. O Rodrigo não disse isso a você, é Rodrigo mesmo o nome dele, não? Deixe de ser boba, Marina. Eu não sou boba, eu vi, ele vive olhando pra você. E daí? Daí nada, ele está apaixonado por você. E você, você está apaixonada por ele? Eu não estou. Mas sabia que ele te olhava, não sabia? Esqueça isso, Marina, eu não quero falar do Rodrigo, está bem? Hum hum, você gostou do jardim secreto? Era da minha avó, ela morreu, coitadinha, agora ninguém cuida dele, enquanto meus tios estiverem se esfaqueando por causa da herança vai ficar assim, abandonado e triste. Nada mais triste que um jardim abandonado. Minha avó era um anjo com muitos defeitos, sabe, Lídia? Você se lembra dela? Eu me lembro, ela era muito chique. Ela me chamava assim: Marina Morena! Porque tem mais Marinas na minha família, sabe? Não é por causa da música? Ah, é, tem a música também. Quando eu era pequena eu não queria que ninguém morresse. E agora você quer? Não, não é isso, quer dizer, se a professora de matemática morresse eu não ia me importar. Será que no ano que vem nós vamos estudar na mesma classe, Marina? Vamos. Como você pode saber? Eu sei sabendo, Lídia, eu repito tanto o seu nome porque o acho lindo, linda Lídia. Viu que eu quase fiz um poema? Você chama a isso de poema? Está bem, era muito pobre, depois vou fazer um pra você, bem bonito.Você faz poemas? Não, mas vou fazer um pra você. Você escreve naquele diário que eu te dei? Sim, toda noite. E essa noite, o que você vai anotar? Ora, ainda não sei. Lídia, eu posso te dar um beijo?
Leila Silva
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Conto publicado no Bestiário

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Fogo


Ventava naquele dia em que meu corpo parecia me deixar.
Olhei para fora e contemplei o cedro de folhas agitadas. O coqueiro, quase ao lado, permanecia calmo e elegante. Estranhei o fato, se estavam tão próximos, a força que balançava um não deveria balançar o outro?

Aquele parecia um bom dia para morrer, à hora do ângelus.

Pensei com menos propósito do que aquele cedro e decidi que o céu cinza combinava com um blues, entretanto coloquei The Doors e pensei no meu doce Frederico. Onde estaria?
“Come on baby, light my fire”. Soube, então, que ele ia voltar.

Tinha deixado todos os seus discos.




Manila - Cemitério chinês
foto por Leila Silva

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Baghdad Burning

De vez em quando gosto de ler as notícias sobre o conflito no Iraque (sei lá como chamar isso) nesse blog:
Baghdad Burning. É mais ou menos como se eu telefonasse para uma amiga de lá e perguntasse: ‘Então, como vão as coisas vistas do interior?’

Deixo aqui um pedacinho do último post, uma reflexão sobre os quatro anos do ataque às torres de Nova Yorque e um balanço das perdas de um lado e de outro. Muito irônica, no final ainda parabeniza os Estados Unidos porque estão ganhando de longe.
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It has been four years today. How does it feel four years later? For the 3,000 victims in America, more than 100,000 have died in Iraq. Tens of thousands of others are being detained for interrogation and torture. Our homes have been raided, our cities are constantly being bombed and Iraq has fallen back decades, and for several years to come we will suffer under the influence of the extremism we didn't know prior to the war.

(......)

Four years later and the War on Terror (or is it the War of Terror?) has been won:


Score:

Al-Qaeda – 3,000
America – 100,000+

Congratulations.

Em:Baghdad Burning

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

A tia de Amsterdã

Cresci ouvindo falar dela, sonhava com a cidade, com o seu pequeno apartamento com os canais, as bicicletas, as pontes que ela atravessava para ir à padaria, não havia clichê sobre a Holanda que não me atravessasse a cabeça. De vez em quando falávamos ao telefone, tinha que ser em inglês, tia Mônica nunca tinha se interessado pelo português. Não era por desprezo, só não tinha razão para dedicar-se a mais essa língua. Nossa família é do Suriname, mas quase ninguém mais vive lá. Temos todos passaporte holandês, e muitos seguiram o caminho natural, pegaram o passaporte e rumaram para Amsterdã, os que não sabiam viver no frio optaram pelo Brasil. Tia Mônica era gentil no telefone e de vez em quando nos enviava presentes pelo correio ou por algum parente, bombons, camisetas de turista, coisas assim.

Finalmente o dia de visitar essa tia chegou. Feliz e ingênuo, porque as duas coisas andam juntas, com pouco mais que uma mochila nas costas, estava preparado para desbravar os Países Baixos. Na chegada, confusão, minha mala nunca chegava na esteira, já estava tonto de olhar para as bagagens, mas fiquei lá plantado até o momento em que nada mais rodava. Fui informado que teria que esperar até o dia seguinte pelos meus apetrechos, viriam em outro vôo. Na saída encontrei a tia já preocupada, nervosa com um cigarro entre os dedos. Fomos para o seu apartamento, expliquei-lhe que ia ter que comprar pelo menos uma calça. ‘Não se preocupe’, disse e pediu o meu número. Que eu ficasse descansando, ela ia cuidar disso para mim. Saiu às pressas e, em menos de uma hora estava de volta não com uma, mas sete calças. ‘Sete? Tia, não precisava!’ Presente para o sobrinho brasileiro. Fiquei sem graça, mas vai ver que era normal, que ali compravam calças assim, a rodo, um modo de compensar a falta de espaço. Eu mesmo nunca tinha comprado mais de duas de uma só vez.

Durante a semana visitei museus, cafés, cinema, casa de Anne Frank.... De vez em quando a tia desaparecia, ‘um minutinho’, dizia e voltava meio vermelha e com o cigarro trêmulo, tentando acertar os lábios. Uma vez em casa, nem me perguntava se eu queria, preparava duas canecas de chá, me entregava uma e descia para o porão. Um dia decidi dar uma olhada no lugar, um porão, para mim que não estava habituado, era por si só envolto em certo mistério. Aproveitei uma das saídas de tia Mônica e desci a escadinha que cheirava a mofo, a pequena porta estava fechada a chave, mas percebi que havia uma luz acesa lá dentro. Deitei-me no chão e pude ver, através do grande vão abaixo da porta, uns pés de estantes. Nada mais. Escutei um barulho na porta de cima e subi as escadas como um louco, corri para a frente da televisão, peguei o controle e fingi que estava procurando um canal. Estava agindo como uma criança idiota, pensei, com as mãos a tremer. Tremendo pra nada, imbecil curioso. Raiva de mim mesmo, mas logo foi a tia descendo as escadas, escutei a porta se abrir e….pronto, minha curiosidade estava atiçada de novo. Fui até a ponta da escada e perguntei, muito gentil, ‘Tia, quer ajuda?’ Ela subiu no mesmo instante e, sem graça, procurando o cigarro, disse: ‘Não, não, aquilo ali está uma bagunça só, melhor ficar longe.’ ‘Se quiser posso te ajudar a arrumar.’ ‘Não, um dia, um dia’ E a pequena chave foi discretamente para o bolso do casaco que ficava pendurado perto da porta de entrada, ela não saía sem ele.

De manhã, quando ela me propôs que saíssemos, aleguei dor de cabeça e sugeri que ela fosse só, eu poderia encontrá-la mais tarde, já conseguia me virar pela cidade, era só me dizer onde. Expliquei e fui lhe entregando o casaco. Distraí-a com umas histórias de família e consegui pegar a chave enquanto a ajudava a vesti-lo.. Pela janela fiquei observando ela desaparecer na esquina, morrendo de medo que começasse a revirar os bolsos. Desci desesperado para o porão, abri a porta e vi quatro prateleiras organizadas, repletas de carteiras, cada carteira tinha um papel colado por fora com uma data e uma indicação de lugar. Abri uma, dinheiro e documentos, outra, mesma coisa e outra e outra, uma infinidade de carteiras. Fiquei meio zonzo, olhando para aquelas prateleiras e quase desfaleci ao ouvir um barulho na porta, subi as escadas como pude, deitei-me no sofá, calmamente, e fingi que estava dormindo. Não sei se ela acreditou, olhou-me aflita e disse que tinha voltado por causa da chave, antes de tomar o bonde percebeu que não estava no seu bolso, ‘Você não a viu em algum lugar?’ ‘Chave, que chave?’ Disse passando a mão pela testa como se estivesse a arder e tomei uma aspirina para dar mais ênfase. Ela acendeu um cigarro e ficou me explicando como era a tal chave, eu só balançava a cabeça. ‘Tia, agora estou melhor, vou sair um pouco’. Estava louco para escapar e telefonar para a minha mãe. ‘Eu vou com você’, disse e não me deixava em paz por um segundo até que me dei conta de que podia conversar com minha mãe na frente dela, bastava que eu falasse em português e evitasse as palavras importantes que tivessem alguma semelhança com o inglês. Assim fiz, minha mãe estranhou o tom no começo, mas depois entendeu o que eu queria, ou seja, a encenação. Minha tia não tirava os olhos de mim, eu contava tudo rindo e colocando ‘saudades’ aqui e ali, essa palavra ela conhecia. Minha mãe disse que ia me telefonar mais tarde para me dizer o que fazer. Andamos intranqüilos pelas ruas, a tia, mais estranha que nunca. A chave no meu bolso. Acho que ela sabia. Paramos num café, eu aproveitei e fui ao toalete, peguei a porcaria da chave e joguei no lixo. Voltei mais leve.

Minha mãe telefonou à noite e disse que já tinha ouvido falar sobre a cleptomania da cunhada, nunca dera ouvidos, não imaginava que fosse maníaca a esse ponto. Ela já tinha telefonado para outros parentes e eles estavam me esperando, eu podia ir para lá no dia seguinte. ‘É melhor’. Passei a noite em claro e tia Mônica também, do sofá eu a ouvia remexer as gavetas à procura da cópia da chave, certamente. Fingi dormir. No dia seguinte arrumei as malas e expliquei que ia para a casa dos outros parentes. Ela não tentou me convencer a ficar, acompanhou-me até o ponto e disse que voltasse para tomar chá com ela antes de voltar para o Brasil. Não voltei à casa dela, telefonei dois dias antes do meu retorno e marcamos encontro de despedida em um café. Nunca falamos do porão.

em : Anjos de Prata


Leila Silva

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Na livraria

de Regina Igel


Numa dessas livrarias modernosas, onde se pode sentar como em biblioteca, ler à vontade, comprar ou não comprar, ainda ir até o café e lá uma rubiácea saborear... pois foi numa dessas, em SP, que isto aconteceu. Coisa banal, mas... à falta de outra coisa mais interessante, vou contar.Peguei uma revista importada, daquelas que falam de fofocas reais européias, que custam uns 30 reais, mas como ler é de graça, aproveitei... E me fui sentar num daqueles recantos com cadeiras confortáveis, onde outros já estavam aboletados, cada qual com seu livro ou revista ou jornal. Mais parecia mesmo uma biblioteca do que uma livraria. Mas, pra quê indagar os porquês. Uma boa idéia não se discute. E fui lá me sentar. Olhei tudo na tal revista, vi princesas e príncipes, descansei a cuca das minhas atividades normais e cansativas - principalmente quando exagero, o que faço com relativa freqüência - pois então, depois de descansar o meu fatigado cérebro einsteniano, fechei a revista, fechei os olhos e ali continuei por um bom espaço de tempo. Tempo e espaço, não são coisas de Einstein? Então.. não é à-toa que me canso tanto...Mas, abri os olhos e olhei ao redor. E dei com uma figura masculina ali bem perto. Sentado na cadeira justamente ao meu lado, estava lendo. Interessante exemplar da espécie masculina! Homem de seus 45 ou poucos mais de idade, barba limpa e bem aparada, cabelos meio crespos, castanhos, perfil de nariz afilado. Mãos claras, do tipo que só conhecem o exercício de virar páginas, bater dedinho em celular, levantar copo de vinho... O homem lia, compenetrado. E o mais interessante em toda a figura, para mim, eram seus óculos. Dourados. Aros auricolores e hastes douradas. Não dava para ver a cor das lentes, mas imaginei serem transparentes, claro, ali não fazia sol, embora houvesse uma linda vegetação plantada em vasos. Jardim de inverno, sem dúvida, mais ainda porque o inverno paulistano estava mais vociferante do que nunca, com um frio de fazer gritar. E me fixei nos óculos do cidadão. O homem todo era um quadro digno de ser olhado. Tenho disto, esta apreciação estética pelo ser humano. Não existe pessoa feia pra mim. Todo o mundo tem algo bonito, até mesmo o... bom, não vou dizer o nome do político que acho o mais feio que já vi. (Não é o Valério, mesmo porque até a careca dele tem sua brilhante beleza.)Enfim, para quem está me acompanhando até agora, uma revelação. Gosto de olhar as pessoas e posso ficar muito tempo praticando este esporte, principalmente se meu foco de visão permanecer inalterado. Era o caso do leitor barbudo de óculos dourados. Ele permanecia impassível, parecia que nem sequer virava as páginas. Talvez estivesse dormindo, fingindo que lia, não saberia dizer. Mas estava ali. Um quadro bom pra ser olhado. E, de repente, ele levanta o rosto do livro, gira a cara em minha direção e me diz, à queima-roupa:-- Se você continuar olhando pra mim deste jeito, vou começar a ficar nervoso.Levei um susto daqueles. Parecia que uma estátua tivesse começado a falar. Devo ter ficado supervermelha, que é a minha reação - como me revelam - quando levo susto ou fico sem-graça. Na ocasião, foram as duas coisas. Fiquei sem fala. Minha honesta intenção estética em olhar pro moço tinha sido notada por ele, mas terá visto que era honesta? Logo que me recuperei, lhe disse:-- Estava admirando seus óculos. São diferentes. Sorrindo, ele os retirou e os estendeu para mim, dizendo:-- São da Holanda.-- Ah, parecem mesmo .... (Como é que fui dizer isto? Por acaso conheço outros óculos holandeses, pra fazer tal comparação?) - Peguei-os na mão, ainda quentes do contato com o rosto do seu dono. Eram bonitos. Dourados, pesados, suas lentes eram transparentes, límpidas e grossas. Devolvi-os, perguntando, só para dizer alguma coisa:-- Foram comprados aqui em S.Paulo ou na Holanda?-- Nem aqui nem na Holanda. Em Pernambuco. De um amigo que levou receita do meu médico e comprou-os em Amsterdão. Lá em Pernambuco somos meio doidos por coisas holandesas. -- Ah bom. E têm sua razão - disse eu, filosofando historicamente. - É o legado holandês. Foram quase 25 anos de convivência com os ... neerlandeses.-- Bom, mas eu não estava lá... no século 17! Devo ser descendente de um deles, porque gosto das coisas holandesas. Infelizmente a única vez que cheguei perto de súdito holandês, foi de uma vaca holandesa, lá num sítio, no interior de Pernambuco...A conversa foi andando. O homem escreve, mas não publica (é por isto que o Brasil não vai pra frente -quem escreve, não publica; quem publica, não escreve). E fomos tomar um café, e trocamos cartão, e ficou tudo por isto mesmo. Foi uma boa tarde na livraria-biblioteca-café. Uma tarde esteticamente perfeita. E interessante (para mim, pelo menos). E, por isto, estou contando aqui.

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Persona



“Give me love and, baby, I feel
higher than a kite can fly.”

The Kingston Trio


Às vezes tenho que esforçar-me para lembrar de quem eu era. Tudo aparece confuso e cinza. Tantos clichês nos rodeiam. Quem era eu, quem fui, quem sou? Até aí. Não falo de outras vidas, dear baby, que essa já me basta. O tempo urge, cuidemos. Cuidemos desta que aqui está, efêmera e imperfeita.

Que mais? Ah, teve um ser chamado nietzsche que decretou que Deus está morto. Poupou-me trabalho, mas não me disse quem Eu sou.

A espera sábia pode ser de rara beleza, mas você não acredita nisso. No meu armário tenho várias máscaras que confeccionei em papel maché. Cada uma mais bonita que a outra, dependendo do ângulo. Essa que porto agora é de cor invulgar. Percebeu? Levou anos para estar assim, com esta máscara tenho tantas habilidades, você nem imagina. Sei saltar de um século para o outro, já já lhe mostro. Tenho também uma toda branca, elegante e assustadora, de impossível decifração.

Um personagem simples, como tantos outros, que transita de dia pela cidade e de noite pela via-láctea. Um personagem bêbado de lucidez…Um personagem eu. Para montar, desmonto.
Qual o salário de um poeta? Perguntou-me aquela criança de bochechas vermelhas e olhar acastanhado. Salário vem de sal, meu bebê. E no suor também há sal. Alguns transitam tão à vontade pelo mundo, como se todas as coisas lhes pertencessem. É obsceno. Claro que sei saltar de um século para outro, mas você precisa sempre de todas as provas, vá à biblioteca, às três, e eu lhe mostrarei.

Agora, com licença. Tempo de recolher.

Leila Silva

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Croniqueta do cerrado

Lágrimas do infinito

ou

a chuva vista por um sentimental


Chove e tudo em volta parece poesia, o verde que se estende além é tranquilo, as vacas de olhar filosófico nada estranham, o cachorrinho vira lata esconde-se da chuva, treme com os trovões, aproxima-se a pedir carinho com a doçura própria dos caninos. Tão sujo, enlameado, mas como recusar? As mãos, lava-se depois.

Lamento o lap-top que esqueci na cidade. Pego um livro, Bashevis Singer, uma manta e deixo a chuva cuidar da natureza que me rodeia.
Leila Silva
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“Ninguém me ama
Ninguém me quer
Ninguém me chama de Baudelaire.”
Antônio Maria

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Arriscando um Haicai

Tem dias que o poço é fundo
e ainda assim
não acaba o mundo

Leila

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[e Bashô, não por ousadia publico-o junto com o meu, mas para que você não fique com a sensação de ter clicado nesses cadernos em vão.]


Acabou-se o óleo na lamparina
Mas…eis a lua
que entra pela janela

Bashô

domingo, 21 de agosto de 2005

Anjos de Prata

O site dos Anjos de Prata está atualizado.Visite! Divulgue! Aproveite!

Veja as novidades no boletim: http://www.anjosdeprata.com.br

Beto

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Recebendo uma européia no Brasil:

O que é aquilo ali?
Aquilo o quê?
Aquilo ali ó.
Ah, aquilo é uma bananeira.
BANANEIRA?!
????
Ué, eu nunca tinha visto uma antes.


******

Que pássaro é aquele?
Aquilo é urubu.
URUBU?
?!?!
(.....)
E aquele lá?
Aquele não sei, só conheço urubu e tucano.

******
E mais:
O que é? Quanto é? Quando foi? Como é?Quantos graus?

É preciso ser geógrafa, historiadora, filóloga, musicista, botânico, negociante....
mas está ótimo, tudo vale a pena se a alma não é pequena.

segunda-feira, 1 de agosto de 2005

Três mini-contos

Três mini-contos, o meu e o da Mhel são variações sobre o mesmo tema, Casa, o terceiro é surrupiado do blog do Carlos Bruni.

Casa de Pano

Mhel

Bordei paredes com linha grossa para o calor guardado.Entrelacei cordas vermelhas formando o telhado que barraria a chuva indiferente.Enfeitei janelas com sutache dourado onde boiava um som amarelo. Apliquei flores de seda e preenchi de beleza o espaço branco. Delimitei móveis em linhas claras, cortei fios, comandei tesouras, perdi agulhas finas.Fechei a porta com teia delicada de crochê.Então me agasalhei na casa escura e menti para todos que era bom.

.......

Signos

Leila Silva

Esta é a casa, aquela porta ali me viu nascer, lembro-me (e todo mundo duvida) de, ao sair do ventre da minha mãe, contemplar nela um raio de sol. Raios de sol e portas ainda não significavam para mim, mas eu sei o que vi e guardei tudo até descobrir os nomes das coisas. Essa casa guardou tantos segredos, tanto quanto todas as outras, suponho.
Hoje, o último membro desta família se despede, minha mãe, e ninguém mais viverá aqui, ninguém mais vigiará o que fomos. Os quadros já tortos na parede, a cristaleira empoeirada e cheia de objetos inúteis...não, ninguém. Eu mesma passarei a chave na porta e nunca mais voltarei. Logo agora que domino tantos nomes.


Fim de noite


Carlos Bruni

Ele jogou o robe sobre uma cadeira, deixou os chinelos em posição de recebê-lo pela manhã e enfiou-se sob as cobertas.
Ela, recostada no travesseiro lia uma revista. A luz tímida do abajur focava caras de famosos e ilhas inatingíveis. Com um suspiro jogou as páginas abertas sobre o tapete ao lado, olhou para o marido que começava a ressonar e apagou a luz.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Lembranças estudantis - Regina Igel

Esta crônica foi escrita pela minha querida amiga Regina Igel. Eu gostei muito, assim como gosto de muitas outras de suas crônicas, pedi para publicá-la aqui e ela concordou.

Lembranças estudantis

Geralmente, não gosto, não curto e não me inclino a reaparecer no meu próprio passado. Seja por falta de tempo, seja por uma autocrítica severa, me acostumei a rechaçar lembranças do passado. Simplesmente não vejo nada interessante em ficar lembrando o que passou. É uma questão pessoal - talvez por sofrer saudades, talvez por saber que as coisas boas não voltarão, ou talvez, ainda, por ter certeza de que as coisas erradas não poderão ser consertadas... Não sei. Enfim, ao contrário de todas as minhas travas internas, hoje a coisa está acontecendo. Estou lembrando de muitas coisas passadas. Principalmente as mais "recentes" - entre aspas, porque isto de "recente" é subjetivo. São coisas que vivi nos tempos em que era estudante, longe de casa, num país diferente e envolvida por um sistema educacional também diferente.Enfim, a lembrança - ou mais de uma - que me ocorreu é de um jantar. Fui convidada por um rapaz, estudante de alguma matéria da qual não me lembro mesmo. Ele era europeu, interessado em coisas brasileiras e, como conseqüência, interessado em informações que só eu - na ocasião - poderia lhe dar. Disse tudo isto ao telefone, ao me convidar. E pediu, de uma maneira mais sutil possível para ele, que eu trouxesse o meu já famoso pudim de leite condensado - com um ingrediente secreto, só meu, que o fazia diferente de todos os pudins sul-americanos. .... Levei o pudim. Cheguei lá no apartamento dele. Os convidados todos já espalhados pela minúscula saleta. Contei. Onze rapazes. E eu. E meu pudim nas mãos. Aplaudiram minha entrada, ou a entrada do pudim. Na ocasião, acho, não pensei que fosse estranho eu estar sozinha em companhia de onze rapazes. Todos europeus, os amigos do meu amigo. Fizeram-me mil e tantas perguntas sobre o Brasil - que estava sob o regime militar. E no meio de toda aquela roda-viva de perguntas e respostas, um deles me perguntou onde eu tinha aprendido a receita de pudim. Respondi:-- Com a empregada de casa.E logo se instalou um diálogo, do qual me recordo algumas partes. Um dos rapazes era um estudante afiliado a movimentos esquerdistas na Europa. Na verdade, os rumores informavam que ele estava foragido da polícia do seu país, e que um tio importante lhe havia arrumado uma bolsa de estudos. Ali estava ele, fulminado com minha observação.-- Empregada? Sua família tem empregada no Brasil?Na minha ignorância política e social de então, respondi:-- Sim, é comum ter empregada doméstica no Brasil.Se eu tivesse dito que é comum para "certas" famílias da "classe média" brasileira ter empregadas domésticas, acho que teria evitado a pergunta que ele me fez a seguir. Mas, então, não teria aprendido a ver as coisas de outro ângulo. Esta foi a pergunta dele:-- E a sua empregada, também tem uma empregada, já que é assim comum?Fiquei estatelada com a observação dele. Realmente, minha perspectiva das coisas, naquele então, era bem estreita. (Espero ter melhorado, mas quem sabe...) Eu sabia, claro, que havia uma grande diferença em termos sociais e outros mais, entre as famílias da classe média e as pessoas que as serviam como "empregadas domésticas". Mas não ia além disto minha visão da sociedade. Também sabia, pelas conversas daquelas, que a vida delas era quase totalmente destituída das oportunidades de estudos e outros avanços, que a minha camada social me permitia. Nem mesmo os colégios estaduais facilitavam a entrada de crianças abaixo da linha "classe média baixa" - pois exigiam conhecimentos que quase só escolas particulares poderiam oferecer. Era um círculo infernal de proibições sociais - cujos resultados, lamentavelmente, estamos vivendo - ou morrendo - hoje. Enfim, voltando à reunião com os onze europeus. - Depois daquela pergunta, que ficou sem resposta, ou até acho que balbuciei qualquer coisa, minha visão da vida mudou, se transformou, adquiriu uma outra direção. Não me tornei socialista nem comunista nem coisalista nenhuma, mas o que aquele jovem socialista me ensinou, com sua simples pergunta, comigo ficou. Até hoje, quando estou saboreando este pudim - com seu ingrediente secreto... - me vem à lembrança aquela pergunta. Depois que terminamos os estudos, não mais vi ninguém deles, embora muito gostasse de saber do dono do jantar e daquele amigo dele que me fez a pergunta. Lembro-me que o nome do dono da casa começava com a letra K e que ele se tornou um diplomata de seu país. Soube também que chegou a servir em Brasília - posso imaginar o contentamento dele, afinal, ele tinha tanta curiosidade por nossa terra. - A respeito do outro, o socialista perguntador, soube que ele se formou em Medicina. Não me lembro sequer como se chamava. Mas sua pergunta ficou. Não dá pra esquecer. E isto é bom. Tão bom como saborear o pudim, cujo ingrediente secreto me foi passado por aquela humilde pessoa, nossa empregada que, com certeza, não tinha nenhuma empregada para servi-la.
---(c)

Regina Igel.
Formada em Letras Neolatinas pela USP. Mestrado em Literaturas Hispano-americanas e Doutorado em Literaturas em língua portuguesa.

segunda-feira, 11 de julho de 2005

Bélgica

[Escrevi, há muitos séculos, um trabalho sobre a comunidade brasileira na Bélgica para um jornal brasileiro que era publicado em Londres e distribuído pelas capitais da Europa, voltado, evidentemente, só para a comunidade brasileira e em português. Quase nenhum desses jornais conseguia sobreviver muito tempo nessa época, esse até que foi longe, mas deve ter dado o último suspiro em 99. Aqui não coloco o artigo, porque é realmente muito chato, retirei só algumas poucas informações gerais sobre a Bélgica.... Remexendo no baú por falta de tempo de escrever.]


A Bélgica é um dos menores países da Europa com uma extensão territorial de 30.518 km², faz fronteira com a França, a Holanda, a Alemanha, Luxemburgo e o Mar do Norte. O fato de ser pequeno não impede, porém, que este país seja sacudido por graves questões de ordem linguística e cultural. Há três línguas oficiais na Bélgica, o francês, o neerlandês (holandês) e o alemão. Dos dez milhões de habitantes deste país, 66% se expressam em neerlandês, 31% em francês e 3% em alemão. A guerra linguística é entre neerlandófonos e francófonos e isso dificulta em muito a vida do cidadão belga, por exemplo o exercício de quase todas as profissões exige o conhecimento das duas línguas, quando não três pois conhecimentos de inglês são muito bem vindos. Em Bruxelas não é raro ouvir um mendigo pedir esmolas em francês e em seguida repetir a ladainha em neerlandês.

sábado, 2 de julho de 2005

Fado

Se tem uma coisa que eu odeio são esses caras que ficam dando voltinhas inúteis para abrir a porta do carro pra gente. O meu pai era desses galantes, dava quantas voltas fosse preciso por causa de uma mulher, mas não pra minha mãe, isso não, era só até conquistar, um teatro, entende? Aliás, a coisa é toda um teatro mesmo, que mulher não consegue abrir e fechar a porta de um carro? Para a coitada da minha mãe, o que sobrava era um lado nada poético. Também não quero dizer que era em poesia que as outras estavam interessadas, sabe? Poesia? Eu, quando estou de bode, só vou soltando besteiras, nem preste atenção. O velho estava longe, muito longe de ter qualquer coisa que beirasse o lírico. Em dinheiro não podia ser que as patetas estivessem interessadas, a não ser que ele mentisse muito bem, não tinha onde cair morto. Devia mentir, tem gente que acredita em qualquer lenga-lenga. Uma coisa eu ouvi dizer, que ele era muito bonito. Quando falo em patetas, incluo aí a minha mãe. A mais pateta das patetas, na verdade.

Diz a tal Carmem que l’amour est un oiseau rebelle, e deve ser mesmo, uma puta duma rebeldia pra deixar uma mulher assim cega. Era amor mesmo o que mamãe sentia? Quatorze vezes ele a deixou grávida, quatorze não, dezesseis vezes. Dezesseis sim, tem sentido? Dois morreram, já nem sei como. Sete? Sete filhos tanta gente tem, não é mesmo? Sete homens e sete mulheres foi o que eles fabricaram. Parece conta feita. Então era assim, o bonitão desaparecia por uns tempos, vinha e bimba, um filho, sumia por mais um tempo, voltava e a mãe lá firme, com o barrigão firme. Lá vinha mais um pra viver a pobreza escolhida pela minha mãe. Foi por conta desse amor aí, desse ‘oiseau rebelle?’

Um dia a professora mandou a gente ler um tal de Éramos seis e veio perguntar, justo pra mim, “Marina, o que foi que você achou do livro?” “Não achei nada, professora.” Respondi. “Como assim, nada? Você leu o livro?” “Eu li, professora, mas não vi graça na choradeira porque, se a senhora quiser saber, lá em casa somos Quatorze.” Pra bom entendedor um pingo é letra, ela não me encheu mais o saco, viu que precisa mais do que seis pra me impressionar….Amor, amor! Eu tô por aqui com amor, sabe? Nem me deixo levar por esse fátuo fado que engabelou a minha mãe. Então, quando um cara vem abrir a porta do carro pra mim eu já fico de butuca, já sei que ali tem. Podem pensar que estão me enganando, não estão….estão se enganando. Eu sei onde piso e piso com jeito. Fiquei esperta só de observar os trejeitos do velho em casa. Assim, podem abrir porta a vontade - já sei que hoje os homens não saem mais por aí abrindo porta de carro, que isso é da época do meu pai, entenda como metáfora, está bem?- Não adianta abrir portas, não adianta flores….Falando em flores, o safado nunca viu tantas, está lá no salão, agora, coberto delas. Com licença que eu também vou dar o meu adeus. Adeus que eu gostaria de ter dado há muito tempo.

Leila Silva

Publicado em Anjos de Prata

domingo, 26 de junho de 2005

Banguecoque: Singh e uma mulher sem olhos

Num dia de dezembro, pouco antes do natal, eu e um amigo descemos no aeroporto de Banguecoque vindos de Singapura. Ao apresentarmos os nossos passaportes brasileiros o funcionário da imigração disse que devíamos ir ao controle sanitário – ou algo parecido -, indignado o meu amigo perguntou a razão daquilo, o homem, sempre calmo e educado disse que era porque entrávamos com passaporte brasileiro. “Tem certeza?” Insiste o meu amigo. Sempre sereno o funcionário consulta a sua lista de países que devem passar pelo tal controle, “Sim”, reafirma, já meio constrangido, “é um país tropical, é preciso”, continua ele. “Mas nem estamos chegando do Brasil”. Tenta mais uma vez o meu amigo porque já era tarde e alguém nos esperava na chegada. Enfim, não havia nada a fazer senão nos apresentarmos a este controle. Fomos com o sentimento de sermos os seres mais piolhentos do planeta e como se a vacina ainda não tivesse sido descoberta no Brasil...O que fariam conosco? Nos obrigariam a tomar um banho com detergente, nos examinariam, raspariam os nossos cabelos? Agora rindo, apesar da preocupação com o tempo, meu amigo ainda lançou “Eu queria era só ver se aquela tal de rainha das padarias chegasse aqui e tivesse que passar por isso. Bom, ela nunca viria a um lugar desses.” Rainha das padarias? “Sim, uma dessas nouveau-riche do Brasil, vi numa revista.”

Não era tão óbvio assim esse tal lugar e meus sapatos novos me incomodavam. Finalmente encontramos um balcão com uns papeizinhos que deviam ser preenchidos com x aqui e ali, nada demais, não havia médico, não havia ninguém para nos informar. E, se fosse o caso, podíamos mentir a vontade.

Singh, um rapaz tranquilo, gordinho e sorridente nos apresentou Banguecoque, a sua família, a sua cadelinha. Quando nos conduzia à casa de sua família, explicou-nos, pedindo desculpas por isso, que não devíamos tocar, abraçar ou beijar os seus...Ele mesmo não se importava em cumprimentar do modo ocidental porque estava acostumado, mas eles, que não viviam exatamente na capital, iam ficar constrangidos, “I am sorry!”. Tão delicado este rapaz que me inquiria sobre o cristianismo e falava do seu budismo, que insistia em pagar as contas mesmo tendo, sem dúvida, salário mais baixo que os nossos. A mãe e as irmãs de Singh não falavam uma só palavra de inglês, sorriam muito, de um jeito terno e, com as duas mãos juntas na frente do peito, abaixando a cabeça nos cumprimentaram. Imitamos. O cachorrinho veio e saltou em todos nós como fazem os cachorros em qualquer lugar do planeta. Nos ofereceram uma espécie de bolo, uma bebida de côco, e quando partimos levávamos tanta comida e bebida, por insistência da mãe, que não pudemos levar tudo para casa, tivemos que deixar um pouco no hotel.

Naquele vinte e quatro de dezembro Singh, para nos acompanhar – imaginando decerto que isso fosse importante para nós – festejou pela primeira vez um natal, ele mesmo escolheu o hotel onde muitos ocidentais que ali viviam iam com a família comemorar a data. Já nem me lembro que histórias Singh teria contado, só sei que bebi um pouco e que ria até quase às lágrimas. E essa era a primeira vez que eu via aquele rapaz, infelizmente foi também a última.

Banguecoque para mim é Singh e sua família sorridente, meninas magras e serenas, um príncipe bonito estampado em fotos enormes em muitos lugares, templos silenciosos, um dourado sem fim...mas é, sobretudo, uma mulher sem olhos, encostada a um muro. O que fazia ali, pedia, vendia flores ou simplesmente esperava? Nada havia no lugar destinado aos olhos, nem cílios, nem sobrancelhas, nem buraco nem nada, a parte era lisa, coberta por pele, como se a natureza tivesse esquecido de construir aquela área, assim como, às vezes dá um dedo a mais a alguns. Não pude olhar muito para a mulher sem olhos, mesmo sabendo que ela não podia me ver e nem pensei em tirar uma foto, apenas registrei essa imagem de uma rua de Banguecoque, uma estranheza que não era exatamente cultural. Nem pude ver se ela sorria como os outros, parece que não.

Leila Silva

sexta-feira, 24 de junho de 2005

BESTIARIO

Estou com um conto na Bestiario , vitrine Literária.
O título do conto é Duas Meninas.

Abracos
Leila

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Leila bucólica

Sítio

O pedreiro refaz a casinha do fundo, P. inventa-lhe um novo estilo, com madeiras atravessadas, meio germânico, será uma espécie de chalet, imagino. Minha mãe não se impressiona, nunca se impressiona com nada, deve achar que isso tudo é um desperdício de dinheiro e energia. Tudo o que não for arroz, feijão, verduras, higiene e cuidados com a saúde é desperdício ou frescura para ela. Não tem nenhum respeito pela estética, o prazer não lhe interessa, somente o sarcasmo. Sabe rir.
Por causa do seu grande sentido da realidade, não consegue nem mesmo ver um filme, nunca se esquece que ali há atores e que é tudo um esquema planejado, ridiculariza tanto o esforço do cineasta quanto dos atores.

Em tudo o meu contrário.

Para com os animais não demonstra nenhuma simpatia ou compaixão, tampouco agiria com crueldade com relação a qualquer ser vivo. É pragmática. Faz sempre o que tem que fazer, cumpre o que considera seu dever, nem mais, nem menos. Já me disseram que ela teria dado uma boa Stalinista. Ela mal sabe quem foi Stalin.

Ao longe as galinhas d’angola gritam insistentes: ‘tô fraca, tô fraca!’ e todos os animais cumprem o seu ritmo nesse cerrado fresco em junho.
Fotografei as rolinhas no ninho e o papagaio. Chegou o tio Zinho, mentiroso e meio fanho, não tenho paciência para ele hoje.
Leio As irmãs Makioka, Valéria relê Meu pé de laranja lima para contar a história a Luiza.
Luiza e meu pai jogam damas e ela se irrita quando perde. E perde sempre porque, aos sete anos, tudo o que lhe interessa é correr e fazer uma dama. E depois, fazer o quê com a dama?

Assim, tudo parece ter uma ordem hoje, mas e amanhã?

Leila Silva

quinta-feira, 16 de junho de 2005

A caixa Preta

Amós Os.
Companhia das Letras, 2 edição


Uma mulher e seu ex-marido analisam, através de cartas, a relação rompida sete anos antes.


P. 94 – ‘Toda a felicidade é basicamente uma banal invenção católica. A felicidade é (…) kitsch. Náo há nada em comum entre ela e a eudaimonia dos gregos. E no judaísmo não existe nenhum conceito de felicidade, nem sequer uma palavra correspondente na Bíblia. Excluindo, talvez, a satisfação pela aprovação, uma retribuição positiva do Céu ou do próximo. (…) o Judaísmo reconhece apenas a alegria. Como no versículo
“ Rejubile-se, jovem, com a sua juventude”.


P. 140 (Henri Bergson) ‘Não é verdade que a fé mova montanhas. Ao contrário, a essência da fé é a capacidade de náo distinguir mais nada, nem mesmo montanhas movendo-se diante de nossos olhos. Uma espécie de teia hermética, totalmente imune aos fatos.’

P 210 o tempo –
‘o tempo não passa, nós passamos dentro dele (…) Ou o tempo é que faz passar as pessoas.'


P. 217 ‘Na cidade de Upsala, no século XVI, dois monges mataram numa única noite noventa e oito órfãos, depois puseram fogo em si próprios, tudo porque uma raposa azul tinha aparecido na janela do mosteiro para anunciar que a Virgem esperava por eles.’

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Henfil na China

Lendo Henfil na China e rindo rindo rindo....mas Henfil não é só pra rir não, eu que sou meio boba mesmo.

Uma coisa me intriga, porque é que gente que nem o Henfil tem que morrer tão cedo? Porque é que Deus não faz um plebiscito:
“Filhos meus, logo um mineiro terá que partir e vocês podem escolher entre Aécio Neves, Itamar Franco, Henfil ou Odelmo Leão.” Não seria justo? Por essas e outras que não acredito nele, se existisse mesmo faria um plebiscito de vez em quando.

Leila

terça-feira, 7 de junho de 2005

Mosaico de horas

Conto escrito para Anjos de Prata



Eu e essa estrada, faz anos que é assim, tantos que ela já é quase uma pessoa. Uma pessoa, é isso, a gente vai rodando rodando nessa solidão e começa a racionar besteiras, uma estrada vira uma pessoa, já se ouviu de tudo, quer dizer, na verdade ninguém ouviu porque eu tô matutando sozinho. Mas, se tivesse alguém aqui eu ia mostrar o tanto que conheço bem esse caminho, daqui a uns quinze ou vinte minutos vou passar por aquela árvore grande que tá pendendo pra esquerda, uma de galhos engraçados, parece que quer abraçar, vamos ver, vou marcar no relógio, se alguém tivesse aqui ia ver como estou certo. Bom, ia ver ia ver e de quê isso ia servir? De nada porque de nada serve saber que em tal lugar dessa estrada tem isso ou aquilo, não serve de nada a não ser para pontuar essa solidão. É que tenho que manter a cabeça ocupada, essa vida de estrada é muito das esquisitas se a gente analisar, estrada, estrada e mais estrada, ninguém imagina o que é isso, nem eu imaginava que um dia ia ser assim, que a solidão pudesse ser tão vasta, que ia ter que treinar a minha própria cabeça para não ficar doido, vou pensando numas coisas e tentando não pensar noutras, às vezes pulo assim de um assunto (o assunto que assunto cá comigo) pra outro, mudo completamente de rumo, de propósito. Lá está a tal da árvore, vamos ver, dezessete minutos contados, nem quinze, nem vinte mas dezessete que está no meio. Olha lá, dá até vontade de abanar a mão pra ela. Veja o que a solidão faz com um homem, estrada vira gente, árvore vira gente...Um dia escutei no rádio uma história estranha, era sobre as sereias, essas também foram uma invenção da solidão do homem. Ficavam os marinheiros a marear por longos meses, anos, quem sabe, naquela solidão absoluta, quer dizer, só não era mais absoluta que a minha nesse caminhão porque lá eles tinham outros homens pra conversar, mas sempre os mesmos...não sei, em todo caso, mulher é que não viam a miúdo, daí a imaginação desses coitados transformou um peixe - um peixe que consegue sair da água por uns instantes – na mais bela criatura fêmea que havia, uma criatura fêmea, mas não mulher, mulher só pela metade. Solidão é isso, invenção. Estrada, minha estrada, até quando seremos nós dois?
De noite leio umas pagininha do bang-bang, escuto as notícias no rádio e durmo, umas vezes o sono vem rápido, outras demora, quando demora é o diabo, esticar essa solidão diurna é pagar os pecados que a gente nem tem tempo de cometer. Na manhã seguinte, a estrada está lá esperando a minha marca, é quase infinitamente assim, um dia não há de ser mais porque até o que parece infinito tem que ter um fim. É.


Leila Silva

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Nota de agradecimento:

Terminei agora a leitura de biografia de Sylvia Plath por Linda Wagner-Martin, da Circe Bolsillo. Recebi o livro de presente de Dani que o comprou em Buenos Aires durante sua última viagem. Obrigada, querida, por pensar em mim em Buenos Aires e por essa gentileza e por todos os outros livros que já me ofereceu...muito obrigada mesmo. Na minha última viagem aos Estados Unidos comprei, em Seattle para ser mais exata, muitos livros em sebos. Seattle é ótima para isso, dentre os livros que trouxe há dois de poemas de S. Plath, Crossing the Water e Ariel. A leitura da biografia contribuirá certamente para a leitura destes poemas.

Agradeço também ao Manoel Carlos por me presentear com esse maravilhoso e poético A Ostra e o Vento, assim como a biografia do autor, Moacir Lopes e aproveito para agradecer ao próprio autor a bondade de ter lido alguns dos meus trabalhos (a pedido de Manoel Carlos) e as palavras tão gentis que escreveu a respeito deles, foram muito importantes para mim. Obrigada ainda a Moacir Lopes pelas dedicatórias.

Muito obrigada a Fávio Viegas Amoreira por ter enviado os seus Contogramas e A Biblioteca submergida, ambos publicados pela Sete Letras e a Chico Lopes pelo seu livro de contos Nó de sombras publicado pelo Instituto Moreira Salles.

Agradeço à professora Regina Igel por ter me presenteado com o seu excelente Imigrantes Judeus – Escritores Brasileiros, Editora Perspectiva.

Comentarei em post separado estes últimos livros e autores.


Todas essas pessoas eu encontrei através do blog ou de websites dedicados à Literatura, me esqueci certamente de incluir uma ou duas pessoas nesta nota rápida, perdoe, se for o caso.
Blog (ou a blogosfera, é isso?) é um espaço cheio de defeitos, de vaidades, de ingenuidades etc etc etc....muita gente vem apontando isso (até mesmo nos seus próprios blogs), mas é um espaço que nos permite o exercício da escrita e da amizade a distância. Tenho feito bons amigos aqui e sobretudo, é principalmente na internet que tenho conseguido discutir e trocar idéias sobre Literatura. Já é lugar-comum criticar a falta de leitores no Brasil e é um fato, mas, por causa da internet, por vezes me pego pensando ‘Como não tem leitores no Brasil? São inúmeros os sites de literatura, inúmeras pessoas escrevendo em português e dispostas a discutir literatura!’ Mas é verdade também que, quando saio do computador e boto o pé na rua (estou no Brasil agora)eu não encontro mais nada disso...Nada, nada seria injusto e mal expressado, tenho muitos amigos que trabalham com literatura, eu falava do encontro ‘casual’, de ver gente em metrô, em ônibus com um livro na mão. Então, por tudo isso, eu abro meus braços para a internet e para os amigos que encontro através dela, esperando que um dia eu possa ver vocês todos ao vivo e a cores.

Ah, agora tenho também um fotolog, não encontrarão nenhuma foto da minha pessoa lá, nãi fiquem decepcionados, é melhor assim. Brincadeira! Logo chegará a fase ‘narciso’.

Abraços a todos.

Leila
http://fotolog.terra.com.br/diletante

terça-feira, 31 de maio de 2005

Bombons Chineses

Li, há algumas semanas, o Bombons Chineses de Mian Mian. Eu diria que o livro é interessante, mas aí me lembro da minha amiga alemã, a Silke que diz que quando os brasileiros dizem que uma coisa é ‘interessante’ é porque não têm coragem de dizer que é ruim.....Enfim, Silke não vai mesmo ler esse post, então.....digo ou não digo? Sim, o livro tem seu interesse: Xangai, sexo, drogas, rock and roll…

Muita gente já conhece esse livro de capa bonita, vermelha com uns caracteres chineses, um seio num quadradinho e o selo da Geração Editorial embaixo.... Quê? Porque é que eu não coloco a foto da capa aqui ao invés de ficar explicando? Ah, muito simples, não sei colocar fotos aqui, juro que não sei e estou morrendo de preguiça de aprender, explicar me cansa menos. Mas há uma solução para esse problema da imagem, clique aqui no blog do Flávio e lá tem a foto, um comentário sobre o livro, uma pequena biografia de Mian-Mian. Foi exatamente por causa do livro que o encontrei e descobri que ele também tem um fraco pelos autores asiáticos.

Na minha opinião o livro carece de uma revisão. Está longe de ser o meu livro favorito, mas valeu a pena as horas dispensadas na leitura. Quase tudo o que conheço da Literatura Oriental data de Mathusalém o que não é verdadeiramente um problema em se tratando de literatura, mas aqui dei de cara com uma chinesa moderna, o que quer dizer, bastante perdida, autodestrutiva, mas com um coração.


Bombons chineses
Mian Mian
Geração Editorial

domingo, 29 de maio de 2005

Um poema antigo

Café Expresso

que seja quente
por favor
toda noite fria
termina com um café
expresso a minha dor
deixando as lágrimas
rolarem suaves
nada nesse café
é menos triste
que a minha dor
todas as faces
vincadas de tormento resignado
olhos crispados de desamor
uma angústia silenciosa
ronda cada peito
a mão soberana
ergue uma Stella Artois.
a temperatura lá fora
é sempre a mesma
aqui dentro é sempre outra

(06/03/96, Bruxelas)

Leila Silva

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Vislumbres da Índia

Quando vivia na Ásia planejei, mais de uma vez, viajar pela Índia, tal viagem nunca se deu por mais de uma razão: desorganização, incompetência, falta de tempo, um certo medo, talvez. O fato é que nunca lá estive. Semana passada comprei, em Florianópolis, este Vislumbres da Índia – Um diálogo com a condição humana - e pus-me a viajar com Octavio Paz. Melhor companheiro de viagem não poderia haver, sobretudo em se tratando desse destino.

O autor conhece bem a Índia pois viveu lá trabalhando, primeiro como segundo secretário na embaixada do México e, anos depois, como Embaixador. Vislumbres da Índia é um pequeno livro, um ensaio de, exatamente, duzentas páginas nessa edição Mandarim de 1996 que adquiri. Octavio Paz explica que escolheu a palavra ‘vislumbres’ por significar ‘indícios’, ‘realidades percebidas entre a luz e a sombras’, o que quer dizer que “esse livro não é para especialistas”. Pode até não ser, mas mesmo os especialistas devem ganhar muito com a leitura dele, é riquíssimo em impressões, análises da cultura, religião, línguas, cozinha, o sistema de castas, política, etc. Eu não desgrudei do livro enquanto não cheguei à última página, ou melhor, só por uns minutos durante um vôo em que Dona Lucrécia se sentou do meu lado e não parou de falar, olhou para a capa do meu livro, perguntou se Octavio Paz era brasileiro, teceu algumas considerações sobre a Índia, meditação e pobreza....mas esta é outra história.

Nas primeiras páginas em que conta a sua chegada à Índia, o autor se pergunta “O que me atraía?” e fala daquele deslumbramento quase ingênuo que temos ao nos ver diante de tanta coisa nova ao mesmo tempo, tanta que não conseguímos discernir. Eu também fiquei assombrada, deslumbrada ao penetrar a Ásia, mais do que ir, visitar o lugar e voltar, considero uma sorte ter podido viver lá ainda que por pouco tempo, menos do que eu gostaria. Na impossibilidade de responder à pergunta sobre o que o atraía, Octavio Paz recorre a T.S. Eliot “O gênero humano não pode suportar tanta realidade.”

Sublinhei vários trechos que chamaram a minha atenção, que eu gostaria de ler melhor depois e que também pensei em colocar aqui....mudei um pouco de idéia quanto a isolá-los assim nesse apanhado rápido, num momento de puro entusiasmo quando acabo de fechar o livro e mal digeri o que li. Descontextualizar pode ser um ato perigoso. Ainda assim vou arriscar uma ou duas citações, a primeira se refere à democracia. Nos Estados Unidos a maioria da população repete essa palavra a torto e a direito, inclusive com ela justificando guerras, mas nunca ou quase nunca, me parecia, indo ao âmago da questão que seria se perguntar de vez em quando, o que é o real significado da palavra e como ela está sendo usada por um político e outro. Sobretudo depois de ter vivido nos Estados Unidos, alguns vocábulos não me deixaram, dois deles são: democracia e liberdade que vivem na boca do povo, do intelectual, do religioso, cada um usando-o a seu modo e a maioria se deixando engambelar. Então, para Octavio Paz:

“Certamente a democracia também pode ser tirânica, e a ditadura da maioria não é menos odiosa que a de uma pessoa ou a de um grupo. Daí a necessidade da divisão de poderes e do sistema de controles. Mas as melhores leis do mundo convertem-se em letra morta se o governante é um déspota, um homem que domina os demais porque é incapaz de dominar-se a si mesmo.”

Como diria a Dona Lucrécia, ‘disse tudo’. Vou até abandonar a outra citação, acho que já é bastante para perceber o quanto essa leitura pode ser valiosa, sobretudo para quem tem um mínimo interesse pela Ásia.



..........................................


Um dos epigramas selecionados por Octavio Paz como exemplo da arte literária hindu:

Amor

Admira a arte do arqueiro:
Não toca o corpo e rompe corações
.


Vislumbres da India, Octavio Paz, Editora Mandarim.

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Perspectiva

Um dia, caminhava eu pelas ruas de Kuala Lumpur, perto das famosas Torres Gêmeas e fazia calor, muito calor, desses que a gente só suporta com a ajuda de Allah ou dentro de uma piscina fresca. Foi então que vi sair de um carro uma mulher toda vestida de preto, dos pés à cabeça, como se vestem as iranianas. Na Malásia também as muçulmanas se cobrem da mesma maneira, mas com tecidos coloridos[A1] . Depois que desviei o olhar dessa mulher toda de preto, vi o que devia ser o marido…vestido de bermuda de algodão e camiseta, a cabeça alta e arrogante. Pelo menos foi assim que me pareceu.

A minha vontade foi de ir até o ragazzo e encher-lhe a cara de bolachas. Aquela cena me parecia um atrevimento. Evidente que não o fiz, senão o meu séjour na Malásia poderia ter durado um pouco menos...ou um pouco mais. E não adiantava também torcer o nariz para demonstrar – infantilmente, concordo - a minha contrariedade. Com o meu short e camiseta, eu não passava de um putón. Ele não ia desviar o olhar para o meu nariz.

Enfim, isso foi apenas uma cena e eu posso ter analisado tudo errado, isso acontece. Às vezes a gente anda na rua (pelo menos eu sou assim), vê uma pessoa e imagina o presente, passado e futuro, não? E pode ser tudo completamente o contrário do que a gente imagina. Veja, quem sabe aquela mocinha de ar submisso não era, na verdade, uma jornalista ou uma estudante tentando ‘entrar’ na pele de uma muçulmana tradicional. Queria ver como elas se sentem vestidas de preto sob aquele sol de rachar mamona e aquela umidade própria da região….quem sabe? E o cara que eu tomava por marido podia ser um colega de curso, um outro jornalista, um irmão….sei lá. Mas que ele desempenhava bem o seu papel, ah, desempenhava.

Na verdade não era na Malásia, nem nas muçulmanas, véus e afins que eu estava pensando quando me sentei aqui, eu pensava na cabeleireira brasileira, dona de um salão onde estive outro dia. Uma cabeleireira de um bairro classe média baixa, uma mulher razoavelmente bonita, de menos de quarenta anos, nem magra nem gorda e que tem um filho de 21 anos. Tudo isso eu entendi ouvindo a conversa entre ela e uma cliente que tem mais ou menos o mesmo perfil. Num dado momento, uma das meninas que trabalhava no salão perguntou-me se em Londres (em Londres e não na Inglaterra!) se falava espanhol ou inglês. Nem sei como respondi tal pergunta.

Bom, onde mesmo eu queria chegar? Ah, essa cabeleireira e a outra cliente discutiam um assunto, pelo jeito muito em voga no Brasil, cirurgia plástica: preços, detalhes, nomes de médicos…Conheciam tudo. E era caro!

Bom, daí lembrei-me também de um artigo de uma escritora muçulmana, se não me engano o título era algo como: Prisioneiras do 38. A autora falava do choque das mulheres ocidentais diante do estilo de vida das muçulmanas, sobretudo o pesado símbolo do véu, e concluía que submeter-se a esse padrão ditado por nossa sociedade era, muitas vezes, tão ou mais cruel que usar o véu ou todo aquele apetrecho.
É tudo uma questão de perspectiva.




[A1]: uma saia muito longa, por cima, uma espécie de bata, também longa que desce sobre uma parte da saia, mangas compridas e o véu muito bem fechado no rosto, abaixo do queixo.

quinta-feira, 5 de maio de 2005

Japoneses, Luiza e cafuné

Manchetes:


Os japoneses inventaram um aparelho que traduz as emoções dos cachorros.

Adolescentes japoneses se fecham nos seus quartos durante anos a fio. Incomunicáveis.

……………………………………………………………………………………………

Luiza

A minha sobrinha de sete anos, Luiza, é um pequeno demônio…e linda como ela só. Às vezes temos os nossos conflitos porque eu também sei ser infantil e também porque nunca convivi muito com ela e com o seu gênio tenebroso. Mas tenho que reconhecer que ela é uma graça e cada dia me apego mais.


Estávamos no sítio, no ultimo feriado, e a pequena Luiza agora fala tanto que compete com o papagaio que meu pai tem lá. É normal que os adultos cansem as orelhas e parem de prestar atenção. Assim estávamos eu e o irmão dela, dez anos mais velho, no laptop estudando alguma coisa e não dando a mínima para as palavras que ela continuava a soltar apesar de nossa indiferença, de repente escutei:
‘Porque para viver a gente precisa de: água, ar, comida e cafuné.’

Epa, estava ficando interessante, a partir daí eu passei a prestar atenção. Como não?
‘Cafuné, Luiza?’
‘Cafuné, tia Leila!’ Repete professoral e contente por ter, finalmente, encontrado um interlocutor.
‘É assim, tia Leila, cafuné, quer dizer, carinho, né….ser educado, ter paciência…’
‘É mesmo, Luiza, eu concordo, mas parece que agora mesmo eu vi você lançar, com toda a força, uma sandália na cabeça do seu irmão!’
E Luiza ri. Aperto mais um pouco e ela muda o ‘a gente precisa’, lá do início por:
‘Tá bem, EU preciso.’

Ela é boa de discurso, mas quando os argumentos acabam é melhor a gente sair correndo.


terça-feira, 3 de maio de 2005

Ex-Libris da Tugosfera

Dando continuidade à corrente proposta por Manoel Carlos.


Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Ser um livro? Nunca me imaginei um livro e nem sei que critérios usar, um livro fino, um livro elegante? Bem, nesse momento eu escolheria ser Orlando, de Virgínia Woolf.


Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por um personagem de ficção?

Será que ‘apanhadinho’ quer dizer ‘caidinho’? Não, acho que não.

Qual foi o último livro que compraste?

Os de Moacir Lopes que acabei de ler e Patrícia Highsmith, Strangers on a train, que ainda não li.


Qual o último livro que leste?

O Almirante Negro e A Ostra e o Vento de Moacir Lopes.

Que livros estás a ler?

Estou lendo, muito devagar, a biografia de Virgínia Woolf por Quentin Bell, Totem e Tabu de Sigmund Freud, Tu não te moves de ti
Hilda Hilst.

Que livros(5) levarias para uma ilha deserta?

O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago, as obras completas de Oscar Wilde, as obras completas do Graciliano Ramos, uma boa tradução da Bíblia (um dia vou ter que encará-la, quem sabe não aproveito a solidão desta ilha), Manuel Bandeira, obras completas. Uf! Nunca pensei que fosse tão útil essas ‘obras completas.’

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?

Eu gostaria de passar a corrente para muita gente, mas me dou conta de que muitos dos meus amigos não usam a internet, não têm blog (nem o meu visitam, alguns nem sabem o que é isso), então, seguindo o padrão ‘manuelino’, deixo aqui os nomes e endereços daqueles que têm blog e que eu sei, apreciam uma boa leitura.

Um personagem: Dani Sorris
Caminhos de papel: Carlos Bruni
Beto Muniz: Beto
Cá onde estou: Mi
Caminhos: Laura