domingo, 26 de junho de 2005

Banguecoque: Singh e uma mulher sem olhos

Num dia de dezembro, pouco antes do natal, eu e um amigo descemos no aeroporto de Banguecoque vindos de Singapura. Ao apresentarmos os nossos passaportes brasileiros o funcionário da imigração disse que devíamos ir ao controle sanitário – ou algo parecido -, indignado o meu amigo perguntou a razão daquilo, o homem, sempre calmo e educado disse que era porque entrávamos com passaporte brasileiro. “Tem certeza?” Insiste o meu amigo. Sempre sereno o funcionário consulta a sua lista de países que devem passar pelo tal controle, “Sim”, reafirma, já meio constrangido, “é um país tropical, é preciso”, continua ele. “Mas nem estamos chegando do Brasil”. Tenta mais uma vez o meu amigo porque já era tarde e alguém nos esperava na chegada. Enfim, não havia nada a fazer senão nos apresentarmos a este controle. Fomos com o sentimento de sermos os seres mais piolhentos do planeta e como se a vacina ainda não tivesse sido descoberta no Brasil...O que fariam conosco? Nos obrigariam a tomar um banho com detergente, nos examinariam, raspariam os nossos cabelos? Agora rindo, apesar da preocupação com o tempo, meu amigo ainda lançou “Eu queria era só ver se aquela tal de rainha das padarias chegasse aqui e tivesse que passar por isso. Bom, ela nunca viria a um lugar desses.” Rainha das padarias? “Sim, uma dessas nouveau-riche do Brasil, vi numa revista.”

Não era tão óbvio assim esse tal lugar e meus sapatos novos me incomodavam. Finalmente encontramos um balcão com uns papeizinhos que deviam ser preenchidos com x aqui e ali, nada demais, não havia médico, não havia ninguém para nos informar. E, se fosse o caso, podíamos mentir a vontade.

Singh, um rapaz tranquilo, gordinho e sorridente nos apresentou Banguecoque, a sua família, a sua cadelinha. Quando nos conduzia à casa de sua família, explicou-nos, pedindo desculpas por isso, que não devíamos tocar, abraçar ou beijar os seus...Ele mesmo não se importava em cumprimentar do modo ocidental porque estava acostumado, mas eles, que não viviam exatamente na capital, iam ficar constrangidos, “I am sorry!”. Tão delicado este rapaz que me inquiria sobre o cristianismo e falava do seu budismo, que insistia em pagar as contas mesmo tendo, sem dúvida, salário mais baixo que os nossos. A mãe e as irmãs de Singh não falavam uma só palavra de inglês, sorriam muito, de um jeito terno e, com as duas mãos juntas na frente do peito, abaixando a cabeça nos cumprimentaram. Imitamos. O cachorrinho veio e saltou em todos nós como fazem os cachorros em qualquer lugar do planeta. Nos ofereceram uma espécie de bolo, uma bebida de côco, e quando partimos levávamos tanta comida e bebida, por insistência da mãe, que não pudemos levar tudo para casa, tivemos que deixar um pouco no hotel.

Naquele vinte e quatro de dezembro Singh, para nos acompanhar – imaginando decerto que isso fosse importante para nós – festejou pela primeira vez um natal, ele mesmo escolheu o hotel onde muitos ocidentais que ali viviam iam com a família comemorar a data. Já nem me lembro que histórias Singh teria contado, só sei que bebi um pouco e que ria até quase às lágrimas. E essa era a primeira vez que eu via aquele rapaz, infelizmente foi também a última.

Banguecoque para mim é Singh e sua família sorridente, meninas magras e serenas, um príncipe bonito estampado em fotos enormes em muitos lugares, templos silenciosos, um dourado sem fim...mas é, sobretudo, uma mulher sem olhos, encostada a um muro. O que fazia ali, pedia, vendia flores ou simplesmente esperava? Nada havia no lugar destinado aos olhos, nem cílios, nem sobrancelhas, nem buraco nem nada, a parte era lisa, coberta por pele, como se a natureza tivesse esquecido de construir aquela área, assim como, às vezes dá um dedo a mais a alguns. Não pude olhar muito para a mulher sem olhos, mesmo sabendo que ela não podia me ver e nem pensei em tirar uma foto, apenas registrei essa imagem de uma rua de Banguecoque, uma estranheza que não era exatamente cultural. Nem pude ver se ela sorria como os outros, parece que não.

Leila Silva

sexta-feira, 24 de junho de 2005

BESTIARIO

Estou com um conto na Bestiario , vitrine Literária.
O título do conto é Duas Meninas.

Abracos
Leila

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Leila bucólica

Sítio

O pedreiro refaz a casinha do fundo, P. inventa-lhe um novo estilo, com madeiras atravessadas, meio germânico, será uma espécie de chalet, imagino. Minha mãe não se impressiona, nunca se impressiona com nada, deve achar que isso tudo é um desperdício de dinheiro e energia. Tudo o que não for arroz, feijão, verduras, higiene e cuidados com a saúde é desperdício ou frescura para ela. Não tem nenhum respeito pela estética, o prazer não lhe interessa, somente o sarcasmo. Sabe rir.
Por causa do seu grande sentido da realidade, não consegue nem mesmo ver um filme, nunca se esquece que ali há atores e que é tudo um esquema planejado, ridiculariza tanto o esforço do cineasta quanto dos atores.

Em tudo o meu contrário.

Para com os animais não demonstra nenhuma simpatia ou compaixão, tampouco agiria com crueldade com relação a qualquer ser vivo. É pragmática. Faz sempre o que tem que fazer, cumpre o que considera seu dever, nem mais, nem menos. Já me disseram que ela teria dado uma boa Stalinista. Ela mal sabe quem foi Stalin.

Ao longe as galinhas d’angola gritam insistentes: ‘tô fraca, tô fraca!’ e todos os animais cumprem o seu ritmo nesse cerrado fresco em junho.
Fotografei as rolinhas no ninho e o papagaio. Chegou o tio Zinho, mentiroso e meio fanho, não tenho paciência para ele hoje.
Leio As irmãs Makioka, Valéria relê Meu pé de laranja lima para contar a história a Luiza.
Luiza e meu pai jogam damas e ela se irrita quando perde. E perde sempre porque, aos sete anos, tudo o que lhe interessa é correr e fazer uma dama. E depois, fazer o quê com a dama?

Assim, tudo parece ter uma ordem hoje, mas e amanhã?

Leila Silva

quinta-feira, 16 de junho de 2005

A caixa Preta

Amós Os.
Companhia das Letras, 2 edição


Uma mulher e seu ex-marido analisam, através de cartas, a relação rompida sete anos antes.


P. 94 – ‘Toda a felicidade é basicamente uma banal invenção católica. A felicidade é (…) kitsch. Náo há nada em comum entre ela e a eudaimonia dos gregos. E no judaísmo não existe nenhum conceito de felicidade, nem sequer uma palavra correspondente na Bíblia. Excluindo, talvez, a satisfação pela aprovação, uma retribuição positiva do Céu ou do próximo. (…) o Judaísmo reconhece apenas a alegria. Como no versículo
“ Rejubile-se, jovem, com a sua juventude”.


P. 140 (Henri Bergson) ‘Não é verdade que a fé mova montanhas. Ao contrário, a essência da fé é a capacidade de náo distinguir mais nada, nem mesmo montanhas movendo-se diante de nossos olhos. Uma espécie de teia hermética, totalmente imune aos fatos.’

P 210 o tempo –
‘o tempo não passa, nós passamos dentro dele (…) Ou o tempo é que faz passar as pessoas.'


P. 217 ‘Na cidade de Upsala, no século XVI, dois monges mataram numa única noite noventa e oito órfãos, depois puseram fogo em si próprios, tudo porque uma raposa azul tinha aparecido na janela do mosteiro para anunciar que a Virgem esperava por eles.’

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Henfil na China

Lendo Henfil na China e rindo rindo rindo....mas Henfil não é só pra rir não, eu que sou meio boba mesmo.

Uma coisa me intriga, porque é que gente que nem o Henfil tem que morrer tão cedo? Porque é que Deus não faz um plebiscito:
“Filhos meus, logo um mineiro terá que partir e vocês podem escolher entre Aécio Neves, Itamar Franco, Henfil ou Odelmo Leão.” Não seria justo? Por essas e outras que não acredito nele, se existisse mesmo faria um plebiscito de vez em quando.

Leila

terça-feira, 7 de junho de 2005

Mosaico de horas

Conto escrito para Anjos de Prata



Eu e essa estrada, faz anos que é assim, tantos que ela já é quase uma pessoa. Uma pessoa, é isso, a gente vai rodando rodando nessa solidão e começa a racionar besteiras, uma estrada vira uma pessoa, já se ouviu de tudo, quer dizer, na verdade ninguém ouviu porque eu tô matutando sozinho. Mas, se tivesse alguém aqui eu ia mostrar o tanto que conheço bem esse caminho, daqui a uns quinze ou vinte minutos vou passar por aquela árvore grande que tá pendendo pra esquerda, uma de galhos engraçados, parece que quer abraçar, vamos ver, vou marcar no relógio, se alguém tivesse aqui ia ver como estou certo. Bom, ia ver ia ver e de quê isso ia servir? De nada porque de nada serve saber que em tal lugar dessa estrada tem isso ou aquilo, não serve de nada a não ser para pontuar essa solidão. É que tenho que manter a cabeça ocupada, essa vida de estrada é muito das esquisitas se a gente analisar, estrada, estrada e mais estrada, ninguém imagina o que é isso, nem eu imaginava que um dia ia ser assim, que a solidão pudesse ser tão vasta, que ia ter que treinar a minha própria cabeça para não ficar doido, vou pensando numas coisas e tentando não pensar noutras, às vezes pulo assim de um assunto (o assunto que assunto cá comigo) pra outro, mudo completamente de rumo, de propósito. Lá está a tal da árvore, vamos ver, dezessete minutos contados, nem quinze, nem vinte mas dezessete que está no meio. Olha lá, dá até vontade de abanar a mão pra ela. Veja o que a solidão faz com um homem, estrada vira gente, árvore vira gente...Um dia escutei no rádio uma história estranha, era sobre as sereias, essas também foram uma invenção da solidão do homem. Ficavam os marinheiros a marear por longos meses, anos, quem sabe, naquela solidão absoluta, quer dizer, só não era mais absoluta que a minha nesse caminhão porque lá eles tinham outros homens pra conversar, mas sempre os mesmos...não sei, em todo caso, mulher é que não viam a miúdo, daí a imaginação desses coitados transformou um peixe - um peixe que consegue sair da água por uns instantes – na mais bela criatura fêmea que havia, uma criatura fêmea, mas não mulher, mulher só pela metade. Solidão é isso, invenção. Estrada, minha estrada, até quando seremos nós dois?
De noite leio umas pagininha do bang-bang, escuto as notícias no rádio e durmo, umas vezes o sono vem rápido, outras demora, quando demora é o diabo, esticar essa solidão diurna é pagar os pecados que a gente nem tem tempo de cometer. Na manhã seguinte, a estrada está lá esperando a minha marca, é quase infinitamente assim, um dia não há de ser mais porque até o que parece infinito tem que ter um fim. É.


Leila Silva

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Nota de agradecimento:

Terminei agora a leitura de biografia de Sylvia Plath por Linda Wagner-Martin, da Circe Bolsillo. Recebi o livro de presente de Dani que o comprou em Buenos Aires durante sua última viagem. Obrigada, querida, por pensar em mim em Buenos Aires e por essa gentileza e por todos os outros livros que já me ofereceu...muito obrigada mesmo. Na minha última viagem aos Estados Unidos comprei, em Seattle para ser mais exata, muitos livros em sebos. Seattle é ótima para isso, dentre os livros que trouxe há dois de poemas de S. Plath, Crossing the Water e Ariel. A leitura da biografia contribuirá certamente para a leitura destes poemas.

Agradeço também ao Manoel Carlos por me presentear com esse maravilhoso e poético A Ostra e o Vento, assim como a biografia do autor, Moacir Lopes e aproveito para agradecer ao próprio autor a bondade de ter lido alguns dos meus trabalhos (a pedido de Manoel Carlos) e as palavras tão gentis que escreveu a respeito deles, foram muito importantes para mim. Obrigada ainda a Moacir Lopes pelas dedicatórias.

Muito obrigada a Fávio Viegas Amoreira por ter enviado os seus Contogramas e A Biblioteca submergida, ambos publicados pela Sete Letras e a Chico Lopes pelo seu livro de contos Nó de sombras publicado pelo Instituto Moreira Salles.

Agradeço à professora Regina Igel por ter me presenteado com o seu excelente Imigrantes Judeus – Escritores Brasileiros, Editora Perspectiva.

Comentarei em post separado estes últimos livros e autores.


Todas essas pessoas eu encontrei através do blog ou de websites dedicados à Literatura, me esqueci certamente de incluir uma ou duas pessoas nesta nota rápida, perdoe, se for o caso.
Blog (ou a blogosfera, é isso?) é um espaço cheio de defeitos, de vaidades, de ingenuidades etc etc etc....muita gente vem apontando isso (até mesmo nos seus próprios blogs), mas é um espaço que nos permite o exercício da escrita e da amizade a distância. Tenho feito bons amigos aqui e sobretudo, é principalmente na internet que tenho conseguido discutir e trocar idéias sobre Literatura. Já é lugar-comum criticar a falta de leitores no Brasil e é um fato, mas, por causa da internet, por vezes me pego pensando ‘Como não tem leitores no Brasil? São inúmeros os sites de literatura, inúmeras pessoas escrevendo em português e dispostas a discutir literatura!’ Mas é verdade também que, quando saio do computador e boto o pé na rua (estou no Brasil agora)eu não encontro mais nada disso...Nada, nada seria injusto e mal expressado, tenho muitos amigos que trabalham com literatura, eu falava do encontro ‘casual’, de ver gente em metrô, em ônibus com um livro na mão. Então, por tudo isso, eu abro meus braços para a internet e para os amigos que encontro através dela, esperando que um dia eu possa ver vocês todos ao vivo e a cores.

Ah, agora tenho também um fotolog, não encontrarão nenhuma foto da minha pessoa lá, nãi fiquem decepcionados, é melhor assim. Brincadeira! Logo chegará a fase ‘narciso’.

Abraços a todos.

Leila
http://fotolog.terra.com.br/diletante