terça-feira, 28 de setembro de 2004

Diário USA 2001 [parte 1]

Atlanta – Geórgia
Outubro – 2001

Primeira semana:

Corre, corre. Faz malas, desfaz malas, procura hotel, muda de hotel.

Perdida na cidade, no mundo.

Café da manha na livraria gay perto de Piedmont Park: bagle with cream cheese and café latte. Folheio os livros, olho a clientela. Um conversa no celular, outro trouxe o laptop, outros dois conversam animadamente.

Segundo e terceiro dias tomo café da manhã no mesmo lugar. O bagle é bom, o café é aceitável e não sei aonde ir. Estou cansada de museus. Nao posso ouvir a palavra museu. Não me proponha museu. Vou ao parque! P. trabalha.

Faz um friozinho e há sol. Caminho no parque. Delicioso sol. Quando faz frio, gosto de sentir o sol. Algumas pessoas passeiam com o cachorro, outras passeiam com as crianças. Quem passeia com o cachorro traz um saquinho para catar as bostas. Quem passeia com as crianças, dá muitos berros.

Sento-me num banco, pego o livro que trouxe mas continuo a olhar a paisagem, as crianças, os adultos, os cachorros dos adultos. Ninguém pensa em Bin Laden. Parece que não. Afinal, vou ler. ‘To kill a mockingbird’ foi a sugestão que recebi para conhecer melhor o sul. Leio em inglês para melhorar o vocabulário.

Ando, ando e sigo andando. Paro na frente de uma dessas lojas que vendem roupas de militar e muitas diferentes coisinhas do exército, Army supply. Fico olhando para uma camiseta com a cara do Bin Laden e um alvo. Um ‘afro-americano’ (agora é preciso ser politicamente correta) pára do meu lado, coloca os pacotes do FedEx no chão e fala e fala e fala e me aponta a cara do Bin Laden. Não entendo nada, absolutamente nada. Tento explicar que não estou entendo, ele finalmente percebe que venho de outro planeta. Aproveito para perguntar se há um cinema nos arredores. Ele pergunta ‘wanna go to the movie?’ Se eu quiser esperar, dentro de uma hora ele terá terminado o trabalho e poderá ir comigo. Thank you very much! Prossigo a caminhada. Não vou ao cinema.

Paro para um sanduíche feito por um grego e pago 5 dólares para o turco do caixa. Simpaticíssimos. O grego fala muito. Os dois vêm para a minha mesa e conversamos até o final da tarde pois não há muitos clientes e eu não tenho o que fazer.

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Leila Silva

leilaterlinc@yahoo.com.br

quarta-feira, 8 de setembro de 2004

BALAIO DE TEXTOS

Caros amigos,

Primeiro quero agradecer as mensagens que vocês me enviam, aos que não enviam também agradeço a leitura. Peço desculpas pelo meu relapso destas últimas semanas, não tenho tido tempo - nem máquina que preste - para responder....Sempre que posso visito os amigos, nem sempre tenho oportunidade de deixar os comentários.
Gostaria de dizer que estarei no balaio de textos do Trevisan (SESC) nessa quinta dia 09, às 20 horas. Para os que não conhecem vale a pena dar uma espiada. Cada semana um conto ou poema é escolhido para debate coordenado por João Silvério Trevisan. Eu gosto muito e participo sempre que posso. Por coincidência, o conto escolhido é esse que está no post anterior a ´Singapura´, o título é Xantipa.
Vc poderá entrar no site pelos endereços: http://www.sescsp.org.br/sesc/convivencia/oficina/frabalaio.htm ou
poderá entrar na sala do Balaio pela home page do UOL http://www.uol.com.br/ ou clicar aí no título.
Abraços a todos.

Leila Silva


sábado, 4 de setembro de 2004

Singapura

[Pois é, eu nunca deveria ter chamado isso de Cadernos da Bélgica.....Aí vai um texto de mais ou menos 2000, quando estava chegando em Singapura. Já sei, em português do Brasil é com C. Prefiro com S. Explicarei a questão da grafia em outro post.]


Chegando em Singapura.....


“Senhores passageiros, gostaríamos de lembrar-lhes que Singapura aplica a pena de morte aos traficantes de drogas e patati patata…patata”. Estico as pernas enquanto escuto algo desse gênero em inglês, depois em chinês e outras línguas mais. Por umas graminhas de nada de maconha o seu pescocinho pode sentir a aspereza da corda das autoridades de Singapura. Parece que ainda usam o enforcamento....Ai! Estico mais as pernas cansadas de tantas horas de vôo, loucas para sentir o ar e o solo da Ásia. Ásia, quase um sonho, a única porção de Ásia que eu conheço até aqui é a parte Oriental de Istambul. Já não posso mais esperar e agora essa fulana aí me falando em pena de morte. Quem seria louco o bastante para aterrissar nesse país com droga na mala? Há sempre uns desavisados e quem avisa amigo é.... Agora ninguém mais estava desavisado pois a mocinha explicou a coisa em pelo menos quatro línguas. Já não agüento mais de vontade de chegar. Nem sei onde estou chegando mas quero chegar, quero deixar essa nau, essa caravela, esse trem! E essa moça que só fala em droga e pena de morte. Já querem nos assustar antes da chegada. Dou mais umas esticadas e, tranqüila, penso que não tenho nada a temer. A única droga que carrego são as eternas e ternas aspirinas. Será que têm alguma coisa contra as aspirinas também? Ouço mais um pouco da ladainha para ver se ela vai chegar nas aspirinas. Não. Me estico mais, olho para baixo, água, água, água. Afinal Singapura é uma ilha. Faço umas ginasticazinhas com os pés e me vem à cabeça, sem mais nem porquê, uns filmes bestas de sessão coruja onde há uma mocinha americana viajando para algum lugar da Ásia, Tailândia, talvez.... Lá vai a mocinha toda inocente pensando na praia que vai pegar e de repente, não mais que de repente encontram uns quilos de pó na mala da coitada. E ela com cara de ‘como isso apareceu aí?’. Na verdade é inocente, mas não convence os malvados policiais que querem se aproveitar de uma pobre (pobre no sentido de coitada, afinal ela é Americana e turista) estrangeira. Resultado: Prisão e muito bafafá até que no final os pais ou a embaixada americana ou o amante conseguem resgatar a aventureira da sua miséria asiática. A lembrança desse ‘clássico’ do cinema é bastante para dar asas à minha imaginação de paranóica. Penso na minha mala que não foi fechada a chave. Imagino todos os caminhos que ela possa ter percorrido. E se alguém colocou umas muambas lá dentro. Ai Jesus! E eu nem sou americana. Quem vai se importar com a sorte de uma brasileira traficante? Ninguém. Isso não vai dar nenhuma bilheteria. Vai dar, no máximo, uma foto com a cara bem assustada no jornal da minha cidade. Espero que pelo menos a minha família entenda que eu sou INOCENTE, que eu só tinha as aspirinas.

Afinal pousamos e é com certo alívio que pego as minhas malas intactas, sem revistas, sem policiais. Aliás tudo é calmo e fácil demais para quem ouviu tantas estórias. O aeroporto é extremamente organizado, tão limpo quanto um hospital e não há esperas.

Assim começa a minha primeira incursão pela Asia.

Leila Silva

leilaterlinc@yahoo.com.br