quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Gringo again

[A Dani, da Duas Primaveras, muito gentilmente, enviou-me a seguinte explicação a respeito da palavra Gringo]


"Você com certeza já ouviu as palavras "oxente", "gringo" e "forró". Porém, você tem alguma idéia da origem dessas palavras?As palavras "Oxente", "Gringo" e "Forró", vem da mesma época e local. Do Nordeste, na época em que os americanos tinham bases no Brasil, epocas da Primeira e Segunda Guerra Mundial.A palavra "Oxente", era muito dita por americanos, que diziam "Oh Shit!" (Traduzindo - "Oh Merda!"). Porém, o nordestino ao ouvir aquelas expressões dos soldados norte-americanos, começou a usa-las e a adapta-las, até que hoje, se fala dessa maneira "Oxente", e muitas vezes de outra maneira também conhecida, "Ôôxxi!", sendo que o segundo exemplo é mais parecido.A palavra "Gringo" tem uma origem parecida. Os soldados americanos, quando estavam no nordeste naquela época, apesar de não terem trabalhado muito, tinham que fazer treinamentos, e nos treinamentos, quando queriam se comunicar uns com os outros a fim de se mover, diziam: "Green Go, Green Go". A tradução dessa expressão é "Verde vai, verde vai", quando na verdade queriam dizer, para que os verdes se mexessem. Os soldados que tinham uniformes verdes camuflados, eram conhecidos como "verdes".
Muita gente, ao ver alguns treinamentos, ouvia alguns soldados gritando "Green Go, Green Go", e via outros se movendo. Daí a expressão, quando queriam se referir aos soldados norte-americanos, diziam que eles eram os "Gringos"!"

"A palavra "gringo", para desigar cidadãos dos Estados Unidos, provavelmente se originou da cor verde dos uniformes americanos durante a guerra contra o México. Seria uma modificação uma dessas duas possibilidades: "Green, go" (Verdes, vão embora) ou "green coat" (os homens de) casaco verde. Segundo a Encyclopedia of Word and Phrase Origins, de Robert Hendrickson, a palavra pode ainda ter se originado de uma música cantada pelos americanos durante essa mesma guerra que começaria pelo verso "Green grow the rashes O". Finalmente, havia ainda um major americano de nome "Ringgold", que se parece com a pronúncia de gringo sem o "g". em algumas regiões do Brasil, "gringo" também se aplica a estrangeiros de outras nacionalidades além da americana, ou mesmo a pessoas de pele muito clara"


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E só para complicar, achei mais essa no Houaiss

Gringo

[Houaiss]. Etimologia: Segundo Corominas, deformação de griego ‘grego’ (>grigo>gringo), com o sentido de língua incompreensível em comparação ao latim.





terça-feira, 26 de outubro de 2004

Brasilia and green go.

Um dia um aluno francês me disse que uma vez foi obrigado a fazer escala em Brasíla, no aeroporto tomou um taxi e, durante a corrida, viu que nada na cidade podia interessá-lo, fechou-se no hotel e esperou o vôo, fumando, certamente, uns quinhentos cigarros. Lembro-me dele sempre envolvido pela fumaça. Ele já tinha estado duas vezes no Brasil, uma vez com os pais (que têm uma fábrica de perfumes na região parisiense) e outra por ele mesmo. Com os pais ficou no Club Med. Na minha modesta opinião, a coisa mais aborrecida do mundo deve ser vir para o Brasil e ficar enterrado no Club Med, mas tudo bem, cada um na sua e todo mundo com sukita. Quando veio só, não perguntei o que ele ficou fazendo, só sei isso: que odiou Brasília. Do português que tentei lhe ensinar ele não aprendeu quase nada. Era desses que queria aprender línguas num passe de mágica.

Outro dia li numa revista que a esposa do novo embaixador (americano?) todo dia sonha que está assassinando o Niemayer.
Eu fui conhecer Brasília já grandinha (eu e Brasília)….isso foi, vamos ver, há uns três anos atrás. Quer dizer, eu já conhecia boa parte do mundo quando fui conhecer a capital do meu país. Shame on me! Eu tinha um amigo brasileiro que, viajando pela Europa, mentia que conhecia Brasília. Não só mentia como descrevia a cidade, os monumentos, os bairros e tudo o mais que o ouvinte quisesse saber. Nunca tinha botado os pés lá mas que não queria confessar isso. Na verdade, os europeus querem saber muito mais sobre a Amazônia do que sobre Brasíla. E lá também nunca estive. Hei de ir!

Dia desses passei pelo Planalto Central com amigo euro-americano. Discordo do meu aluno francês e da senhôra embaixatriz…Não me pareceu mal. Não sei se ia querer viver lá a vida inteira mas não saberia dizer onde quero viver a vida inteira. Há tantos lugares para se viver. Agora, por exemplo, eu queria passar um ano em Buenos Aires.

Antes de entrar em Brasília vi um letreiro que indicava o ‘Hotel Hótymo’….Hótymo? Pelamordezeus! Tem gente criativa neste mundo, não? Depois passamos por um viaduto que se chama Ayrton Senna. Again? Nem estamos em São Paulo. Esclareço que não tenho nada contra o Senna e sei que é proibido falar mal dele, não vou arriscar. Eu só acho que podiam variar um pouco, cansa a vista esses nomes repetidos. Bom, deixemos o Senna de lado, ou melhor, debaixo.
Na estrada, em meio aos berros de Janis Joplin, o meu amigo quis saber se no Brasil também se usava o termo gringo, como no México. Claro, eu disse, só não sei se se usa ‘como no México’. Ele disse que no México o termo é carregado de negatividade e só se usa para os americanos….Well, acho que aqui é um poquito diferente. Depois discutimos a origem da palavra e eu expliquei que, vejam bem, uma vez li que o termo nasceu em certo país da América Central (?). Os nativos, quando viam os soldados americanos, nos seus uniformes esverdeados, gritavam: Green go! O meu amigo quase morreu de rir da explicação que, eu juro, não foi inventada por mim.
Algum de vocês já ouviu algo a respeito da origem dessa palavra? Tenho que arrumar outra explicação para esse gringo, embora eu tenha achado esta bastante plausível.

Leila

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Zhang Hua

[Ando, desde que vivi na Ásia, envolvida com os fabulosos e fantásticos contos orientais, principalmente chineses. Infelizmente, para ler ou escrever em chinês eu vou ter que nascer mais duas vezes e, numa dessas vezes, se possível, na China. Aí sim. Então, como não posso ler esses contos diretamente em chinês, estou lendo versões francesas, inglesas e espanholas que encontro. Estou traduzindo contos de um autor chamado Pu Songling….traduzindo ou, mais provavelmente, traindo, como se diz, não? Tradutore traditore! Garanto a veracidade do adágio (se isso for um adágio). Mas, se temos que trair, que o façamos com alguma beleza, como disse um tradutor cujo nome não me lembro mas hei de achar e voltar aqui para acrescentar. O Conto de Pu Songling que traduzi foi publicado na excelente revista virtual http://www.verbo21.com.br/. Um dia desses o publico aqui. Hoje deixo um conto de Zhang Hua, que traduzi a partir de uma versão francesa e espanhola.]


Zhang Hua (232-300)

Criança prodígio, Zhang Hua foi, muito cedo, recomendado ao imperador Cao Pi como conselheiro. Era dotado de rara e vasta erudição, meio mago, meio intelectual, cortesão, adivinho, possuidor de estranhos poderes, um pouco como Paracelso . Foi, provavelmente, assassinado por razões políticas.

Conto:

Existe um país chamado Daren ou “O país dos homens grandes”, cujos habitantes ficam trinta e oito anos nos ventres de suas mães e então, nascem. E já nascem com os cabelos compridos e os corpos crescidos. Não sabem andar, mas sim subir em nuvens e ir assim de um lugar para o outro. Talvez seja uma variedade de dragão.
O dito país fica a exatamente quatorze mil lis do conhecido monte Guiqui.

Li – medida intinerária chinesa, equivalente a cerca de 576 metros.

domingo, 24 de outubro de 2004

Emily Dickinson

Um poema de Emily Dickinson, aquela que raramente saia do quarto da casa do pai e que morreu tendo publicado, anonimamente, apenas sete dos seus mais de dois mil poemas. Escreveu ela: "To live is so startling, it leaves little room for other occupations."

O poema:




Faith is a fine invention
For gentlemen who see;
But microscopes are prudent
In an emergency!
Emily Dickinson (1830-1886)

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Os trilhos [publicado em Anjos de Prata]

Os trilhos.

Quando cheguei à rodoviária de B.H. lá estava ele me esperando e fumando um cigarro. Ansioso, talvez. Aplicou-me um beijo na boca, pegou a minha mala e conduziu-me até o fusca emprestado. Esperava que eu não estivesse cansada, disse, pois os amigos - que eu ainda não conhecia - estavam esperando no bar. Eu tinha viajado por mais de sete horas, mas, de fato, não estava cansada. Não se cansa fácil aos dezenove anos.

Sempre detestei o gosto da cerveja, mas, na época, gostava das conversas de bar e tolerava as chacotas dirigidas aos meus sucos de fruta. Lá estava um tipo meio hippie que estudava e tentava propagar as belezas do Esperanto. Escutava interessada, me interessava por tudo e por todos.

Tarde da noite fomos para casa, ou melhor, para o apartamento da mãe dele. Era lá que ele estava morando. Ao chegarmos ele colocou a mala sobre o tapete limpinho da sala e beijou-me com muito entusiasmo e em muitos lugares. Depois mostrou-me o quarto que sua mãe arranjara para mim e foi dormir no seu, não sem antes beijar-me mais uma vez e dizer-me que era importante que eu colocasse ordem na minha vida, sexual inclusive, que um dia ele seria um advogado bem sucedido e poderíamos ir juntos recomeçar a vida em algum lugar pouco provável, Tocantins, por exemplo. Para isso eu deveria resolver, eu deveria vir vê-lo com mais frequência, eu deveria evitar certas companhias, eu deveria……Boa noite!

No dia seguinte visitamos livrarias, bares, restaurantes, andamos por vielas e Belo Horizonte era fresca nesses dias sem congresso, sem horas, sem professores, sem palestras chatas…..Pela primeira vez eu estava livre em B.H e nem ele ia acabar com isso me atazanando com essa novela de advogado bem sucedido, Tocantins e outras barbaridades. Bebi cappuccinos, sorri para os bêbados, fui a feiras e fugi das conversas sérias.

No Domingo à noite, intacta, entrei no ônibus e ele ainda me preveniu mais uma vez, eu deveria pensar bem e achar os trilhos, lindas crianças enfeitariam a nossa vida, ele advogado e eu, professora, por que não? Que eu pensasse bem…..Da janela o vi abanando a mão num gesto esperançoso. Algum tempo depois ele telefonou e disse que assim não dava pé, não íamos chegar a lugar nenhum. Eu era uma sem-rumo, não sabia o que queria. Argumentei, por orgulho e porque não estava acostumada a levar pés na bunda. Não, ele não queria tentar mais por que eu não sabia o que estava tentando. Pronto, era assim, que eu não me perdesse definitivamente na minha confusão. Passar bem.

Passei.

Leila Silva

terça-feira, 19 de outubro de 2004

Bons Ares

[Pessoal, estou visitando, pela primeiríssima vez, Buenos Aires, e estou adorando. Dizem (as más línguas?)que só em Buenos Aires há mais livrarias do que no Brasil inteiro. Eu nao saí contando as livrarias daqui, pero que las hay las hay. Algumas ficam abertas vinte e quatro horas por dia. Enfim, eu estou indo para uma delas agora, El Ateneo, se nao me engano. Logo estarei de volta, agradeco muito os recados que deixaram e as mensagens que enviaram. Beijao a todos.]

Leila

sábado, 16 de outubro de 2004

Conto [Damas]

[Este eu ofereço para o Manoel do Agreste - http://www.agrestino.blogger.com.br/-. Foi o início de nossa amizade.]
Damas

_ A coisa mais engraçada que eu acho, sabe o que é ?
_ Não, o quê?
_ E que todo dia, quando dá uma certa hora a gente muda de posição…
_ Quê? Que conversa de doido é essa?
_ De doido não, tu não me espera terminar…é que quando dá uma certa hora a gente passa da posição vertical para a horizontal, entende?
_ Não, não entendo, mas eu entendo que é a sua vez de jogar.
_ Aí vai…como não entende? Todo dia é assim, para uns é às nove horas, para outros é meia noite, mas todo dia, todo mundo se coloca na posição horizontal, fecha os olhos e se entrega, quer dizer, não sei se é se entregar, mas o sono é um estado estranho…e é esquisito estar na vertical e depois passar para a horizontal…estranho, eu estive pensando.
_ Escuta, pra você estar pensando tanta besteira, eu estou achando que você se coloca na posição horizontal, mas não fecha os olhos…
_ Fecho sim…
_ Pode ser que feche, mas não deve realmente passar para esse outro estado, esse que você chamou de ‘entrega’….Será que você anda com medo?
_ Ih, cara, tu tá entendo tudo errado…Eu tô falando que isso é uma coisa esquisita, que quando chega um período do dia todo mundo muda de posição…Não vai querer bancar o psicólogo agora, vai?
_ Todo mundo não, tem gente que tem insônia.
_ Mas até esses ficam lá na posição horizontal, pegam um livro….
_ Quem te falou isso? Você andou fazendo pesquisa?
_ E, de qualquer modo, eu tô falando no geral, insônia é doença, então não conta.
_ Insônia é doença? Joga cara, presta atenção.
_ Ué, deve ser….Pois então…Ah, aqui, comi a tua dama…eu falo mas presto mais atenção que tu. Então, quando dá lá umas tantas horas, todo mundo muda de posição…
_ Pô cara, vai direto ao assunto, você já repetiu umas dez vezes essa coisa de mudar de posição…
_ Ih, tu tá nervoso porque tá perdendo? Então, seja no Japão, nas Filipinas, nos Estados Unidos…..
_ Ok….ok..
_ Em qualquer lugar do planeta, todo mundo muda…digo, vai dormir..vai pra cama, pra rede, pra esteira…
_ Será que em todo lugar do mundo as pessoas dormem mesmo na horizontal? Ah, você esqueceu de comer aqui, fuuuu, soprei…
_ Bosta! Tu me distraíste de propósito…Eu não vejo melhor posição pra dormir do que na horizontal….que povo seria besta o bastante para pensar em dormir em pé?
_ Ah, sei lá, na Africa, talvez?
_ O que é que tu quer dizer com isso? Isso é racismo.
_ Racismo por que? É que na Africa eles têm uns costumes diferentes…
_ Em todo lugar tem gente que tem costume diferente..
_ Não fui eu que falei que quem dorme em pé é besta, foi você…e agora ainda me acusa de racismo?
_ E seria inteligente dormir em pé?
_ Cavalo dorme em pé.
_ E cavalo é inteligente?
_ ……..
_ Pronto…ganhei.
_Oh, merda.


Leila Silva
Bruxelas, 10 de dezembro de 2003.

sexta-feira, 15 de outubro de 2004

O Caixote

Pessoal,
O Caixote é uma revista eletrônica super bonita e bem cuidada. Estou neste número com um conto que vocês que me acompanham já leram aqui no Blog, Airama. Muitos de vocês já devem conhecer a revista, para os que não conhecem, deixo a dica.
Abraços.

Leila

quinta-feira, 14 de outubro de 2004

Andanças


Andanças

Um dia vi Veneza,
Vi Paris e Istambul.
Em Istambul queriam me vender tapetes mas disse ´No, thank you´ e fui ver a mesquita Azul. Depois tomei uns porres e fui ao Hamam, onde mulheres com os peitos grandes à mostra me banharam, me massagearam enquanto narravam umas às outras as peripécias do dia. Isso é o que eu supunha, visto que de turco, nada entendia.

Em Veneza comprei um chapéu barato que levei para Cingapura.
Cingapura eu vi, revi e vivi e lá deixei o meu chapéu veneziano.
Em Cingapura chovia.
Todo dia.
Minha amiga japonesa nunca se esquecia da sombrinha.
Tão precavida, essa Misako.
E eu, tão descuidada, tomava muitos pingos e sofria de sinusite. Uma chinesa quis me tratar com acunpuntura dizendo, com muita honestidade : ‘Vai doer !`. Covarde, fui embora. Já me bastava a dor da sinusite.

Fui a Roma e não vi o Papa, fui ao México e não vi Cancun.
Na cidade do México, o motorista de táxi me fez escutar Nélson Ned, ´um grande brasileiro.` Explicou-me e levou-nos à casa de Dolores Del Rio. Frida também estava lá.

Nunca vi Cusco, nem Bagdá
Nem Jerusalém, nem Calcutá.

Mas tempo haverá.

Bruxelas, 24 de setembro de 2003
Leila Silva

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Cadernos da América do Norte [Parte V]

[Mais um pouco de passado....]

Março 2001

Terminei a audição (audição?)do diário de Anne Frank em inglês. Tudo pelo meu inglês. Fui à bibioteca devolver tudo. Encontrei lá um senhor já velhinho e muito muito gentil que……fala português. Oh…..my……god! Eu estava gastando o meu inglês quando chegou o José Renato (meu sobrinho) e me disse não sei o quê, daí, percebendo qual era a nossa língua materna, esse senhor respondeu em português para o meu grande espanto. Contou-nos que morou numa pequena cidade do Pernambuco (forgot the name) quando era criança e que o Brasil ‘nunca saiu do seu coração’. Acho que os pais eram missionários….(I am not so sure). Ele me sugeriu uma montanha de Steinbecks e estranhou o meu Mark Twain “No 44, The Mysterious stranger”. “Mas porque, minha filha, atacar um livro tão dificil e desconhecido, toma aqui, vai ler Tom Sawer!”. Como disse, esse senhor é pura simpatia e pagou até mesmo as minhas fotocópias (“Para os novos amigos brasileiros!”), mas não gosto de muita itromissão nas minhas leituras. Terminarei o meu estranho Twain e depois veremos.

Março sobrevive. Uns dias bate chuva, outros bate sol, um dia venta mais que o outro, o trânsito continua pesado, os americanos continuam orgulhosos, Bush continua caçando terroristas e eu, e eu, e eu………..
Estou seguindo os cursos de inglês das escolas das igrejas. Muito bons. Alguns. E de graça….Mais ou menos de graça. Na aula de segunda, na hora do intervalo tenho que virar uma curuminha e cantar para o Senhor (Lord, I lift my voice to worship you!). Never mind. Nas sextas tenho a possibilidade de chegar atrasada e escapar ao cantochão.

Março se arrasta….Nos mudamos outra vez. Tudo (o tudo é muito pouco) está nas caixas – livros, discos. Vou transportando aos poucos, tenho uma semana para isso.

Leila Silva

terça-feira, 5 de outubro de 2004

Cadernos da América do Norte -Diário USA 2001[parte IV]

[O Allan me escreveu que é engraçado ler essas impressões retiradas de um diário de 2001, e é mesmo. A guerra no Iraque ainda não tinha começado, Bush ainda estava eufórico pensando (ou estavam pensando por ele) como poderia tirar o melhor proveito do ataque....e tirou. Enfim, vamos ver o que vem pela frente. Abraços a todos e obrigada pela paciência.]

Natal no ar. Hello, Papai Noel! Vejo o velhinho de barbas brancas pertinho da minha janela com as suas renas e as bochechas rosadas ah ah ah ah todo feliz indo distribuir presentes às criancinhas americanas. Nao é verdade, eu nem estou perto da janela e nem me lembro que é natal até que a minha companheira de viagem diz “Feliz Natal” retribuindo a cara feia que eu fiz quando ela pediu passagem. Que ódio! Na hora do registro me disseram que o avião não estava muito cheio e que iam me deixar dois bancos. Quantos panacas pensariam em viajar no dia de natal? Enfim, tive sorte, a companheira fala muito mas é simpatica e interessante.
Alguns evangélicos que devem ter vindo estudar ‘pastorlogia’ com os americanos tomaram o mesmo vôo. Como podem ‘eles’ viajar no dia do natal?

Adeus 2001. Bom dia 2002 Brazil….meu Brazil brazileiro.

Família familia papai mamãe, gato, cachorro, irmã….Cássia Eller se foi. O Sobrinho veio comigo.

Turistando todo dia que não chove, chove, chove, zoo, jardim botânico, the wonderful world of coca-cola….Hello! Oh, brasileiros também? Pode fazer aqui uma foto de nós dois? Obrigada.

Stone Mountain, CNN, cinema e pop corn e……….. janeiro se foi e não volta mais.

Depois de janeiro vem o fevereiro, todo ano é assim, mesmo nos Estados Unidos mas aqui ‘Fevereiro não tem carnaval nem tem uma nega (nem afro-americana) chamada Tereza’. E fevereiro termina no dia 28, ou seja, amanhã. Em fevereiro fui parada pela polícia por causa do meu farol alto demais. Ou baixo demais? Ou ....? (Ainda não entendi, seu policial). Não vi o primeiro sinal do senhor policial e só percebi que a coisa era comigo quando ele acionou a sirene e ordenou que eu encostasse o carro. Como nos filmes. Que emoção! Que restará para o mês de março?

Março
Lixei as unhas. Beautiful nails!

Leila Silva

[Gostaria de pedir a vocês que deixam os comentários que acrescentassem alguma informação como e-mail, endereço do blog, se tiverem....Obrigada!]

segunda-feira, 4 de outubro de 2004

Cadernos da America do Norte-Diário USA[parte III]

Novembro 2001

Carteira de motorista. Aulas de informática. I’m very busy now. “Disseram que eu voltei americaniZada”….
ainda não voltei. Voltar pra onde?

10/11
Concerto de Taj-mahal. Blues, brother! O cantor ousou oferecer uma música para Bin Laden….Mama mia! É bem verdade que ele é um negro ops! Afro-americano muçulmano, como muitos por aqui. O público também era um espetáculo, nada do que eu esperava encontrar nos USA.

Lixo!
Perguntaram a um ministro chinês em visita aos Estados Unidos o que mais o impressionara por aqui e ele respondeu: O LIXO.
Deveras impressionante, senhor ministro.

11/11
Money! Money! Money! Money! Money! Money! Money!

Hoje encontramos um casal brasileiro. Ele engenheiro, ela, arquiteta. Classe média alta. Ele chamou Lula de “O Barbudo”, falou dos filhos, das casas que possui e da casa que pretende comprar aqui. Já viveram também na Europa e Canadá. A arquiteta preparou uma deliciosa sopa de cebolas. Talvez seja o nosso último encontro.

12/11
Mais um avião cai do ar em Nova York. Pânico! Ninguém entende nada.

13/11
Maldito seja quem inventou a necessidade do carro! Maldito seja este país onde não se pode andar, onde as pernas são as rodas. Maldita seja a dor de cabeça.

Americano é tão bonzinho!

Depois de amanhã is Thanksgiving. Feriadão nacional. Ninguém sabe ao certo a razão mas é um dia de tradição. Mas que bobagem estou dizendo, desde quando uma tradição precisa ser explicada?

A minha professora do curso de computação fez algumas perguntas sobre Singapura (com S, decidi que é melhor) e lembrou-se do garoto americano que recebeu uma surra por lá por causa dos ‘atos de vandalismo’.. Lembrou-se também de que a venda de chiclete é proibida em Singapura e concluiu que ‘esse é um povo muito louco’. Então falamos também da pena de morte…..em Singapura e a professora se perguntou triste e desanimada “Eu me pergunto como é que a pessoa que aplica essas penas, o que aplica a surra e o que mata, pode dormir em paz? Que povo louco.” I’ll say! Que povo louco. Será que os americanos aprendem essas táticas na escola?

Thanksgiving “Happy Turkey’s day”! Alguém me disse. E eu nem comi peru no dia. Em contrapartida fui a New Orleans. Festa, festa, barulho, cheiro de cerveja, de cigarro, prostitutas, música. Alguns pastores chamam New Orleans de ‘Sodoma e Gomorra’, as duas ao mesmo tempo. Além de muita festa, há também muita pobreza na Louisiana, muita corrupção, muitos analfabetos, muitos negros (ops..afro-americanos) nas prisões, muita violência. Nem tudo é perfeito nos Isteitis.
Na volta para Atlanta, engarrafamento infernal e a rodovia não era pavimentada com queijos.

Henry Miller
Quando estava em Paris, Henry Miller escreveu, em carta a seu amigo americano, que a única coisa que ele lamentava era não ter ido para a Europa mais cedo. Ele sabia que “nunca seria um europeu, mas pelo menos ele não era mais um americano, thanks god!”
Hoje toda a nação parece “Proud to be an American”.

27/11
Jantar com um galego e um ítalo-belga. Nada melhor do que encontrar europeus para (por assim dizer) desabafarmos sobre a vida nos Estados Unidos.

Amanhã já é dezembro. Feliz navidad! Feliz navidad! Ouço todos os dias no rádio, mas não estou no México, ainda estou nos Estados Unidos. No supermercado (ou venda?) mais próximo de casa nem se pode pensar em inglês, é sempre ‘buenos dias!’ ‘Son quatro dólares.’ ‘Muchas gracias’.
E porque não? O único problema é que lá não encontro quase nada de que preciso, não há frustas frescas, não há leite desnatado….em contrapartida há muitas bijuterias, doces e muitas velas com a cara do cristo e da virgem de Guadalupe. La navidad la pasaré en el avião a caminho do Brasil. Que me importa la navidad, contanto que eu chegue, que a virgem de Guadalupe nos proteja e ajude o piloto a desviar das torres que por ventura apareçam pela frente.

Já é tarde, P. está na Europa e Günter Grass me espera ansioso com o seu Tambor.

Dezembro
Sábado americano: compras, tv, carro, ginástica, lavanderia. Encontrei Fred, da Indonésia, na lavanderia e combinamos um jantar para sexta.


Mais uma semana já se foi entre computadores, trânsito, sanduiches, correção de pronúncia, biblioteca, um filme - Paris Texas - alguma leitura (O Tambor que vai lento, lento pois preciso dedicar meu tempo livre às leituras em inglês).
Encontrei na biblioteca pública uma antiga edição de Tropic of Cancer com prefácio de Anaïs Nin. Até agora Henry só falou de ‘cunt’. Se continuar assim, não terei que recorrer muitas vezes ao dicionário.

Encontrei outra vez Christine, outra estudante da Indonésia, e desta vez pude apresentá-la ao P. Conversamos por muito tempo no business Center do condomínio. Quando saímos P. me mostrou dois cockers e Christine nos disse “Na Indonésia, os cachorros nós os comemos”. Perguntei se ela já tinha experimentado e ela respondeu “Sometimes” e riu. Perguntei ainda se ela sabia preparar e ela disse que sim. Não pedi a receita.

Leila Silva
leilaterlinc@yahoo.com.br


sábado, 2 de outubro de 2004

Cadernos da América do Norte - Diário USA [parte II]

Outubro 2001

Anthrax. Medo. Pânico. Pó branco. Egoísmo. Odio. Ignorância. God bless America!

Na tv propaganda do Prozac. Ações em câmera lenta. Todo mundo feliz, correndo, regando o jardim, sorrindo, rindo. Experimente! Experimente! Admirável mundo novo.

Temos um apartamento. Home sweet home. Alugamos tudo: as colheres, as facas, o pano de prato, o escorredor, a cama, a mesa, everything.

Final de outubro
Nas segundas, participo de um grupo de conversacão na biblioteca local. Russos, venezuelanos, um chinês, um yuguslavo (segundo ele), um mexicano e uma brasileira, eu. No final o mexicano vem falar comigo. Em espanhol, é claro. Digo-lhe que adoro o espanhol mas neste momento preciso falar inglês. Ok, no problem! Ele me propõe carona e de vez em quando volta a falar espanhol. Tento responder em inglês. ‘Pero tu no pareces brasilera, estoy muy surpreso’. Ele arrisca um portunhol pois teve uma namorada brasileira.
E com o que deve parecer uma brasileira? Never mind.

No segundo encontro eu e o mexicano damos um fora. O professor nos entrega um folheto onde há uma foto da bandeira americana, faz um comentário sobre os últimos eventos ‘catastróficos’ e sobre o aumento do número de bandeiras expostas. Ele quer saber que tipo de sentimento o povo americano está demonstrando. Digo (e sem querer provocar, juro): Nationalism. Big mistake. Deveria ter dito PATRIOTISM. Uma russa puxa-saco encontra a palavra certa para a felicidade do professor. Já o mexicano não achou melhor exemplo para o verbo ‘destroy’ que “The USA are destroying Afganisthan”. Contrariado, o professor disse que a frase estava gramaticalmente correta, mas ele poderia também dizer que “The USA are trying to destroy Bin Laden, not the Afganistan”.

Ah! Aprendemos todos os dias.

Leila Silva

leilaterlinc@yahoo.com.br