domingo, 30 de outubro de 2005

Lendo: Lisbela e o Prisioneiro

Lisbela e o Prisioneiro

Osman Lins
Editora Letras e Artes – 1964
Peça teatral, comédia.


Frederico, Citonho e Leleu falando de Boa Vista:

_ É um lugar muito macho, nem todo mundo se agrada. Basta dizer uma coisa: lá só se vende gravata preta.
_ Oi, e por quê?
_ Porque todo mundo está sempre de luto de algum parente que morreu na faca.
_ Então, é bom, é terra que endurece o coração. Pior é caruaru, que amofina gente e bicho. Sei de um camarada que criou lá uma onça; a onça terminou tão avacalhada que bebia leite num pires, feito gato.
_ Eu já ouvi falar desse negócio. Será verdade? Se fôr, não quero nem passar pela vizinhança.


(P. 46)

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Litoral belga. Flandres.

Bruxelas

Um ano e dois meses sem pisar em Bruxelas, quase nada mudou ou talvez eu ainda nao tenha percebido as mudanças. Chove desde que cheguei e aqui no café internet onde estou tenho direito a um show particular, dois africanos cantam na na lingua deles que nao sei qual é.

Ontem comprei varios livros no sebo ouvindo a chuva bater no telhado.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

No ônibus





Era uma menininha linda,
de mais ou
menos cinco anos,
acompanhada
da mãe.

_ Manhê, olha aquele homem lá, ele não tem perna!

_ Ahn?

_ Aquele lá ó mãe, tá vendo a perna dele, pois então, ele não tem, só tem uma.

_ É filhinha, é como o Fulano, lembra? Ele não tem braço.

_ Hum hum

_ Sabe, ele quase perdeu também as duas pernas, só que Deus foi tão bom que curou as pernas dele, aí ele perdeu só o braço.

_ Mãe! Então por que Deus não curou o braço dele também?

_ ???

[Aqui, mãe com cara de tacho tentando arrumar uma explicação para o inexplicável]

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Leila Silva

Anjos de Prata

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Escuta, Zé Ninguém!

“Nem sequer te apercebes de que a opressão das leis que regulam a tua vida matrimonial decorre naturalmente do teu espírito pornográfico e da tua irresponsabilidade sexual.”
(P.41)

Isto é para o Zé Ninguém, nem todo mundo é Zé Ninguém. Reich é 'meio' radical, mas é uma leitura interessante.

domingo, 16 de outubro de 2005

Visitante






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Kuala Lumpur
Templo de Batu Caves
Leila Silva







[Dois mini contos sobre o mesmo tema: Visitante. O primeiro, Visita da dama de branco, é meu e o segundo, Visitante noturna, da Vera do Val]

Visita da dama de branco


Leila Silva

Nas mãos trazia sempre magnólias. Muitas vezes me visitou e em nenhuma delas vi algo que pudesse lembrar uma foice. Só a delicadeza das magnólias. Nunca pude definir o que se esboçava nos seus lábios, um sorriso, uma tristeza, um convite, uma ameaça?

Tantas vezes bateu à minha porta sem, na verdade, nunca ter ousado passar dos degraus da entrada. A não ser ontem, tão bela toda de branco, se aproximou de tal modo que pude sentir seu hálito quente, quase beijou-me os lábios. Implorei que ficasse ou me tomasse pela mão, me conduzisse...Impassível, meneou a cabeça e foi indo, como veio. Nem as magnólias me deixou.

Magnólias também têm seu tempo.
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Visitante noturna
Vera do Val

Rua estreita e antiga, tudo muito quieto, grandes árvores e jardins, o prédio meio desbotado. Ela subiu as escadas quase pairando; tocando suave o corrimão, no rastro dos dedos dele. Atravessou a porta e reconheceu a sala. Sorriu para os livros espalhados, preciosidades de cores e texturas e o imaginou ali, debruçado na mesa redonda, a ler, quase bêbado, absorto. A escrivaninha ,embaixo da janela de postigos altos, dizia das noites insones. Flutuou sussurrando ternuras, acariciou o sofá de grandes flores azuis ,mergulhou os pés, com preguiça, no tapete cremoso, sentindo o silencio e o chiar do aquecedor. No quarto a luz suave do abajur, travesseiros esparsos.
E ele, adormecido, na cama alta e larga.
Aproximou-se devagarinho. Os cabelos escuros, os olhos fechados, as mãos que ela amava. Viu o corpo do homem derramado, o abandono nos lençóis muito brancos. Cuidadosa desenhou a boca macia com a ponta dos dedos, tocou as têmporas, roçou a pele quente e úmida do sono. Tateou seu macho, reconheceu seus caminhos. Com carinho infinito as mãos em concha se perderam entre as pernas dele. Quando ouviu o gemido se esfumou no ar.

Como uma verdadezinha azul !

Quando ele acordou sentiu o cheiro.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Duas meninas


Melaka, Malasia,
foto por Leila S.


Marina, mas que lugar é esse? Um jardim secreto, Lídia. Não precisa ter medo, é um secreto bom. É só uma brincadeira, brincadeira de duas meninas de 13 anos, nem adultas, nem crianças, Lídia. Calma, calma, é aqui, pronto, é só isso, agora deitamos na relva, sim, isto se chama relva, se quiser pode chamar também de grama, mas eu prefiro relva. Eu achei relva uma palavra bonita, vi num poema outro dia, acho que foi naquele livro que você me emprestou. Eu também tenho lido muitos livros Lídia, muitos, mas quantos significa muito? Lídia, seu nome é tão bonito, quem escolheu foi seu pai ou sua mãe. Foi minha mãe. Sua mãe também é linda, Lídia. E você é uma doll, lembra-se o que é doll? É boneca. Isso mesmo. Você não acha que parece uma doll? Não sei. O Rodrigo não disse isso a você, é Rodrigo mesmo o nome dele, não? Deixe de ser boba, Marina. Eu não sou boba, eu vi, ele vive olhando pra você. E daí? Daí nada, ele está apaixonado por você. E você, você está apaixonada por ele? Eu não estou. Mas sabia que ele te olhava, não sabia? Esqueça isso, Marina, eu não quero falar do Rodrigo, está bem? Hum hum, você gostou do jardim secreto? Era da minha avó, ela morreu, coitadinha, agora ninguém cuida dele, enquanto meus tios estiverem se esfaqueando por causa da herança vai ficar assim, abandonado e triste. Nada mais triste que um jardim abandonado. Minha avó era um anjo com muitos defeitos, sabe, Lídia? Você se lembra dela? Eu me lembro, ela era muito chique. Ela me chamava assim: Marina Morena! Porque tem mais Marinas na minha família, sabe? Não é por causa da música? Ah, é, tem a música também. Quando eu era pequena eu não queria que ninguém morresse. E agora você quer? Não, não é isso, quer dizer, se a professora de matemática morresse eu não ia me importar. Será que no ano que vem nós vamos estudar na mesma classe, Marina? Vamos. Como você pode saber? Eu sei sabendo, Lídia, eu repito tanto o seu nome porque o acho lindo, linda Lídia. Viu que eu quase fiz um poema? Você chama a isso de poema? Está bem, era muito pobre, depois vou fazer um pra você, bem bonito.Você faz poemas? Não, mas vou fazer um pra você. Você escreve naquele diário que eu te dei? Sim, toda noite. E essa noite, o que você vai anotar? Ora, ainda não sei. Lídia, eu posso te dar um beijo?
Leila Silva
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Conto publicado no Bestiário