Um dia, caminhava eu pelas ruas de Kuala Lumpur, perto das famosas Torres Gêmeas e fazia calor, muito calor, desses que a gente só suporta com a ajuda de Allah ou dentro de uma piscina fresca. Foi então que vi sair de um carro uma mulher toda vestida de preto, dos pés à cabeça, como se vestem as iranianas. Na Malásia também as muçulmanas se cobrem da mesma maneira, mas com tecidos coloridos[A1] . Depois que desviei o olhar dessa mulher toda de preto, vi o que devia ser o marido…vestido de bermuda de algodão e camiseta, a cabeça alta e arrogante. Pelo menos foi assim que me pareceu.
A minha vontade foi de ir até o ragazzo e encher-lhe a cara de bolachas. Aquela cena me parecia um atrevimento. Evidente que não o fiz, senão o meu séjour na Malásia poderia ter durado um pouco menos...ou um pouco mais. E não adiantava também torcer o nariz para demonstrar – infantilmente, concordo - a minha contrariedade. Com o meu short e camiseta, eu não passava de um putón. Ele não ia desviar o olhar para o meu nariz.
Enfim, isso foi apenas uma cena e eu posso ter analisado tudo errado, isso acontece. Às vezes a gente anda na rua (pelo menos eu sou assim), vê uma pessoa e imagina o presente, passado e futuro, não? E pode ser tudo completamente o contrário do que a gente imagina. Veja, quem sabe aquela mocinha de ar submisso não era, na verdade, uma jornalista ou uma estudante tentando ‘entrar’ na pele de uma muçulmana tradicional. Queria ver como elas se sentem vestidas de preto sob aquele sol de rachar mamona e aquela umidade própria da região….quem sabe? E o cara que eu tomava por marido podia ser um colega de curso, um outro jornalista, um irmão….sei lá. Mas que ele desempenhava bem o seu papel, ah, desempenhava.
Na verdade não era na Malásia, nem nas muçulmanas, véus e afins que eu estava pensando quando me sentei aqui, eu pensava na cabeleireira brasileira, dona de um salão onde estive outro dia. Uma cabeleireira de um bairro classe média baixa, uma mulher razoavelmente bonita, de menos de quarenta anos, nem magra nem gorda e que tem um filho de 21 anos. Tudo isso eu entendi ouvindo a conversa entre ela e uma cliente que tem mais ou menos o mesmo perfil. Num dado momento, uma das meninas que trabalhava no salão perguntou-me se em Londres (em Londres e não na Inglaterra!) se falava espanhol ou inglês. Nem sei como respondi tal pergunta.
Bom, onde mesmo eu queria chegar? Ah, essa cabeleireira e a outra cliente discutiam um assunto, pelo jeito muito em voga no Brasil, cirurgia plástica: preços, detalhes, nomes de médicos…Conheciam tudo. E era caro!
Bom, daí lembrei-me também de um artigo de uma escritora muçulmana, se não me engano o título era algo como: Prisioneiras do 38. A autora falava do choque das mulheres ocidentais diante do estilo de vida das muçulmanas, sobretudo o pesado símbolo do véu, e concluía que submeter-se a esse padrão ditado por nossa sociedade era, muitas vezes, tão ou mais cruel que usar o véu ou todo aquele apetrecho.
É tudo uma questão de perspectiva.
[A1]: uma saia muito longa, por cima, uma espécie de bata, também longa que desce sobre uma parte da saia, mangas compridas e o véu muito bem fechado no rosto, abaixo do queixo.
3 comentários:
O terrorimo... num mundo global cheio de lugares cosmopolitas, he o choke de culturas e mentalidades... Os terroristas, são-o porque não podem debater, ou porque não querem - a segunda é incompreensível!!
Gaspar VS
Minha querida, duas deliciosas histórias eu li agora. O post anterior e este. Delicados e sensíveis.
Quanto à história que você estava buscando no Cicatrizes da Mirada, ela está no Lingua de Mariposa(www.verbeat.com.br/blogs/linguademariposa ). vá nos arquivos e leia um post chamado a CASA E O RIO. Fica lá no princípio, entre os primeiros arquivos.
Um beijo grande.
Leila, realmente tudo é mesmo relativo... Abraço, :-)
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