sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

[Uma crônica antiga, já devo ter publicado aqui antes....aproveitando o paradão do começo de ano e a falta de tempo para escrever, publico de novo]
Canindé e os obscuros caminhos da fé

A Canindé alguns vão a pé, percorrem o caminho da redenção de sandálias havaianas, chinelas de couro ou nada, ou seja, plantam no solo árido e seco do sertão a sola do pé curtido pela miséria e trabalho ingrato.

Nós percorremos o caminho de Canindé de carro mesmo, durante o trajeto, Padre Rafael nos explicava que seu Ceará é surreal, ali há pontes sem rio e rio sem pontes. Assim mesmo! Um dia, disse, viajava com um padre europeu e passaram uma ponte, duas pontes, três pontes e nada de água rolando por baixo delas. O europeu conferiu todas pois que tudo olhava atentamente. Chegando no quarto rio ele viu, finalmente, a água mas…não viu a ponte porque ponte não havia ali e tiveram que voltar, suspender o passeio. O europeu coçou a cabeça e riu das pontes sem rio e do rio sem ponte. Como pode? Os outros riram mais ainda e disseram que é assim mesmo, ora!

No caminho, duas mulheres andavam, em sentido contrário ao nosso, uma delas transportava na cabeça, com habilidade e certa elegância, uma grande trouxa, sem a ajuda das mãos; nas paradas dos ônibus, o povo esperava acocorado como os chineses.

O povo de Canindé acredita que São Francisco vive ainda hoje…e ali mesmo, naquele vilarejo, numa casa amarela. E a mancha no dorso do jumento é, para eles, o mijo do menino Jesus. Nem o Padre Rafael, nem ninguém é capaz de provar o contrário.

Na casa dos milagres, ao lado da igreja há um grande mural com fotos de pessoas que esperam ou alcançaram uma graça. Várias crianças nuas e até mesmo adultos mostram as partes do corpo conforme a graça recebida, assim vemos seios expostos, ventres, as pernas com as feridas, só os rostos, uma noiva com ar desconfiado e seu noivo….alguns deixam junto com a foto uma nota explicativa, mas não são muitos. Uma dessas notas trazia um retrato três por quatro à direita, outro à esquerda, uma imagem de Santo Antônio no meio e dizia:
‘Mercearia Santo Antônio – Eu moro em Teresina – PI na rua Bento C. Basto, no São João, e me peguei com São Francisco, para não perder o juizo (não ficar louco) porque eu perdi o meu filho Sérgio, com dezoito anos, num acidente de carro, todos os anos ele viajava para Canindé quando era vivo. Eu fiz a promessa se ficasse bom eu levava meu retrato e o dele e botava na casa dos milagres. Minha mercearia ficou quase acabada, então eu incluí no meu pedido que salvasse o meu comércio que eu levaria uma foto agradecendo, e estou deixando aqui meu testemunho, e agradecimento.
Alcancei a graça
Bendito o que vem em nome de Jesus.
Canindé, 4 de outubro de 2003
Antonio polícia.

Canindé e seus confessionários com ar condicionado que retêm ali as velhas e seus pecadilhos, por horas e horas. Canindé e o São Francisco vivente. Canindé, o simpático Padre Rafael e sua namorada morena. Canindé, minhas impressões de um dia, uma fotografia, um mundo entre nós....

Canindé e os obscuros caminhos da fé.

4 comentários:

Allan Robert P. J. disse...

Não tenho certeza de já ter lido esta crônica, mas fique à vontade para repetir textos tão bons.

Anônimo disse...

Oi, Leila. Andei passando por aqui várias vezes mas nada de post novo - ela está de férias, pensei. Hoje encontro dois posts novos. Um divulgando o ótimo romance on-line de Wagner Campelo e esta gostosura de crônica. Valeu a espera.

Anônimo disse...

E não é que perdi também o post que fala no meu mano?

Anônimo disse...

deliciosa cronica!!
eu ainda nao tinha lido.
Muito legal!!!!!!!
adorei a percepcao "rio sem ponte e ponte sem rio"
:)
bjos