Os trilhos.
Quando cheguei à rodoviária de B.H. lá estava ele me esperando e fumando um cigarro. Ansioso, talvez. Aplicou-me um beijo na boca, pegou a minha mala e conduziu-me até o fusca emprestado. Esperava que eu não estivesse cansada, disse, pois os amigos - que eu ainda não conhecia - estavam esperando no bar. Eu tinha viajado por mais de sete horas, mas, de fato, não estava cansada. Não se cansa fácil aos dezenove anos.
Sempre detestei o gosto da cerveja, mas, na época, gostava das conversas de bar e tolerava as chacotas dirigidas aos meus sucos de fruta. Lá estava um tipo meio hippie que estudava e tentava propagar as belezas do Esperanto. Escutava interessada, me interessava por tudo e por todos.
Tarde da noite fomos para casa, ou melhor, para o apartamento da mãe dele. Era lá que ele estava morando. Ao chegarmos ele colocou a mala sobre o tapete limpinho da sala e beijou-me com muito entusiasmo e em muitos lugares. Depois mostrou-me o quarto que sua mãe arranjara para mim e foi dormir no seu, não sem antes beijar-me mais uma vez e dizer-me que era importante que eu colocasse ordem na minha vida, sexual inclusive, que um dia ele seria um advogado bem sucedido e poderíamos ir juntos recomeçar a vida em algum lugar pouco provável, Tocantins, por exemplo. Para isso eu deveria resolver, eu deveria vir vê-lo com mais frequência, eu deveria evitar certas companhias, eu deveria……Boa noite!
No dia seguinte visitamos livrarias, bares, restaurantes, andamos por vielas e Belo Horizonte era fresca nesses dias sem congresso, sem horas, sem professores, sem palestras chatas…..Pela primeira vez eu estava livre em B.H e nem ele ia acabar com isso me atazanando com essa novela de advogado bem sucedido, Tocantins e outras barbaridades. Bebi cappuccinos, sorri para os bêbados, fui a feiras e fugi das conversas sérias.
No Domingo à noite, intacta, entrei no ônibus e ele ainda me preveniu mais uma vez, eu deveria pensar bem e achar os trilhos, lindas crianças enfeitariam a nossa vida, ele advogado e eu, professora, por que não? Que eu pensasse bem…..Da janela o vi abanando a mão num gesto esperançoso. Algum tempo depois ele telefonou e disse que assim não dava pé, não íamos chegar a lugar nenhum. Eu era uma sem-rumo, não sabia o que queria. Argumentei, por orgulho e porque não estava acostumada a levar pés na bunda. Não, ele não queria tentar mais por que eu não sabia o que estava tentando. Pronto, era assim, que eu não me perdesse definitivamente na minha confusão. Passar bem.
Passei.
Leila Silva
Quando cheguei à rodoviária de B.H. lá estava ele me esperando e fumando um cigarro. Ansioso, talvez. Aplicou-me um beijo na boca, pegou a minha mala e conduziu-me até o fusca emprestado. Esperava que eu não estivesse cansada, disse, pois os amigos - que eu ainda não conhecia - estavam esperando no bar. Eu tinha viajado por mais de sete horas, mas, de fato, não estava cansada. Não se cansa fácil aos dezenove anos.
Sempre detestei o gosto da cerveja, mas, na época, gostava das conversas de bar e tolerava as chacotas dirigidas aos meus sucos de fruta. Lá estava um tipo meio hippie que estudava e tentava propagar as belezas do Esperanto. Escutava interessada, me interessava por tudo e por todos.
Tarde da noite fomos para casa, ou melhor, para o apartamento da mãe dele. Era lá que ele estava morando. Ao chegarmos ele colocou a mala sobre o tapete limpinho da sala e beijou-me com muito entusiasmo e em muitos lugares. Depois mostrou-me o quarto que sua mãe arranjara para mim e foi dormir no seu, não sem antes beijar-me mais uma vez e dizer-me que era importante que eu colocasse ordem na minha vida, sexual inclusive, que um dia ele seria um advogado bem sucedido e poderíamos ir juntos recomeçar a vida em algum lugar pouco provável, Tocantins, por exemplo. Para isso eu deveria resolver, eu deveria vir vê-lo com mais frequência, eu deveria evitar certas companhias, eu deveria……Boa noite!
No dia seguinte visitamos livrarias, bares, restaurantes, andamos por vielas e Belo Horizonte era fresca nesses dias sem congresso, sem horas, sem professores, sem palestras chatas…..Pela primeira vez eu estava livre em B.H e nem ele ia acabar com isso me atazanando com essa novela de advogado bem sucedido, Tocantins e outras barbaridades. Bebi cappuccinos, sorri para os bêbados, fui a feiras e fugi das conversas sérias.
No Domingo à noite, intacta, entrei no ônibus e ele ainda me preveniu mais uma vez, eu deveria pensar bem e achar os trilhos, lindas crianças enfeitariam a nossa vida, ele advogado e eu, professora, por que não? Que eu pensasse bem…..Da janela o vi abanando a mão num gesto esperançoso. Algum tempo depois ele telefonou e disse que assim não dava pé, não íamos chegar a lugar nenhum. Eu era uma sem-rumo, não sabia o que queria. Argumentei, por orgulho e porque não estava acostumada a levar pés na bunda. Não, ele não queria tentar mais por que eu não sabia o que estava tentando. Pronto, era assim, que eu não me perdesse definitivamente na minha confusão. Passar bem.
Passei.
Leila Silva
2 comentários:
Leila,
Você às vezes me faz crer em textos auto-biográficos. E isso é maravilhoso!
A propósito: qual a população de Buenos Aires? mais de 50% da população argentina. Creio que por isso tantas livrarias, mas, sem dúvida, eles lêem mais que no Brasil.
Ciao
Sim, realmente deixa uma sensação de estarmos lendo um texto auto-biográfio....Muito bom.
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