domingo, 5 de outubro de 2008

A guerra das palavras

05/10/2008 - 05:40 - Folha de S. Paulo - Mais!

Pais pressionaram direção de colégio a demitir professor -”disseram-me que havia um parecer de psicólogos e juristas condenando a combinação de professor e escritor”, afirma; instituição não se manifesta

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Poeta e professor de literatura, Oswaldo Martins Teixeira, 47, foi demitido no dia 11 de setembro da Escola Parque do Rio de Janeiro, onde lecionava para turmas de 7º e 8º anos do ensino fundamental. Pais de alunos descobriram que Teixeira escreve poemas eróticos; ele os publicou em livros e em um blog. Pediram a cabeça do professor.
A escola moderna, construtivista, mensalidade de R$ 1.161, unidades na Barra da Tijuca e no aristocrático bairro da Gávea, que funciona sob o lema “Uma escola que estimula a expansão cultural”, demitiu.
Formado em letras pela Pontifícia Universidade Católica, o professor Teixeira obteve o título de mestre na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com a dissertação “Erotismo e Gramática, Índices da Defloração - Uma Leitura de Manoel de Barros”, de 1992.
Há quatro anos, prepara seu doutorado na Universidade Federal Fluminense sobre o poeta, escritor e dramaturgo italiano Pietro Aretino (1492-1556).
“Diverti-me escrevendo os sonetos que podeis ver. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas, pois não tenho mais paciência para as suas mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem ver o que mais os deleita.”
O texto é de Aretino. Refere-se aos “Sonetos Luxuriosos”, escritos em linguagem explícita a partir de 16 gravuras eróticas de Giulio Romano, discípulo de Rafael Sanzio, um dos maiores mestres em pintura e arquitetura, contemporâneo de Michelangelo e Da Vinci.
Aretino e Giulio Romano nasceram no ano da descoberta da América, durante o Renascimento das carnes e dos sentidos. Juntos, elaboraram uma obra-prima do despudor.
“Ousei criar poemas à moda de Aretino”, justifica o professor em tempos politicamente corretos.
Autor de quatro livros publicados pela 7 Letras -”Desestudos” (2000), “Minimalhas do Alheio” (2002), “Lucidez do Oco” (2004) e “Cosmologia do Impreciso” (2008)-, Teixeira mantém um blog (http:// osmarti.blogspot.com).
“a alice no país das baboseiras/ é uma garota esperta// prefere foder com a coleguinha/ usar celular/ batom// cortar as cabeças/ dos mendigos.” O poema figura na “Cosmologia do Impreciso”.

Fogueira ardendo
Foi na preparação da Semana Literária da Escola Parque (realizada em maio) que a fogueira do professor começou a arder. “A coordenação me pediu que fosse às salas de aula do 7º e do 8º anos para divulgar o meu processo de escrita e o blog. Contei como eu criava, falei de minha paixão pela literatura, tentei mostrar que inclui saber ler as estrelas no céu, os passos até a banca de jornal.”
Na mesma semana, os garotos deram um “google” e descobriram o blog do professor na internet. Escândalo.
Pais foram até a coordenação pedagógica reclamar do que consideravam ser um conteúdo inadequado, pornográfico, obsceno. O professor foi chamado a se explicar: “Eu disse que não via problema nenhum, que a literatura erótica é tão antiga quanto a própria literatura.”
A lista de livros sugeridos neste ano para os alunos do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Parque inclui “Poemas para Brincar” e “Olha o Bicho”, de José Paulo Paes (1926-98). Um “google” no nome do poeta e vem “Fodamos, meu amor, fodamos presto. Pois foi para foder que se nasceu…”. É a tradução dos “Sonetos Luxuriosos” de Aretino, que Paes providenciou -a primeira feita para o português.
Na biblioteca da Escola Parque, pode-se ler o livro “Belo Belo e Outros Poemas” de Manuel Bandeira (1886-1968), o mesmo autor de “A Cópula” -só vendo.

A luta da poesia
Na Feira do Livro, edição de 2002 da Escola Parque, os alunos prestaram homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, cujo centenário era comemorado naquele ano.
“A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos, entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.”
No início de setembro, o professor Teixeira foi chamado para uma reunião no Instituto Moreira Salles, que fica na mesma rua da Escola Parque.
Foi no local construído nos anos 1950, um monumento ao modernismo carioca, que se comunicou a demissão.
“Disseram-me que havia um parecer de psicólogos e juristas condenando a combinação do professor com o escritor em uma só pessoa”, lembra Teixeira. “Não pude discutir com nenhum pai, não houve debate nenhum”, diz. “Impôs-se a sombra da censura e do controle porque a escola simplesmente decidiu ceder a um grupo de pais dos quais nem sequer sei os nomes.”
Casado há 24 anos, pai de três filhos, o professor mora no bairro de Laranjeiras. “Meu problema não é a empregabilidade. Estou muito mais preocupado com o obscurantismo, com a certeza dos censores. A poesia luta contra isso. E foi muito trabalho até me transformar em um poeta. Não posso abrir mão disso”, diz.
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E mais uma estupidez:
A Federação Nacional de Cegos (NFB), a maior organização de cegos dos Estados Unidos, anunciou hoje mobilizações contra o filme "Ensaio sobre a Cegueira" em sua estréia por considerar que retrata os portadores de deficiência visual como depravados. Continua...

3 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Já tinha lido sobre o absurdo boicote dos cegos americanos ao "Ensaio sobre a Cegueira" do Fernando .

Resenha sobre Boris Vian lá no meu mundo (acho que é autor do seu interesse).

Anônimo disse...

Os mesmos pais que condenam o professor devem gostar de pagodes, Axes e forrós de dupli sentido, de novelas das sete que só falam em sexo ou de programas das Xuxas que só estimulam o consumo. Ignorancia dos pais é compreencival, afinal não vivemos numa sociedade esclarecida,mas a posição da escola é medíocre, como seus diretores

Sonia Sant'Anna disse...

Ainda bem que tenho um olho, pois neste universo de cegos - reais e figurados - posso aspirar ao posto de rainha.