sábado, 11 de outubro de 2008

Declarações antiamericanistas desacreditam Nobel


EDUARDO SIMÕES
SYLVIA COLOMBO
11/10/2008 - 08h24

As declarações infelizes do secretário e porta-voz da Academia Sueca, Horace Engdahl, nas últimas semanas, têm causado polêmica no meio cultural internacional e colaborado para desacreditar o Nobel, mais célebre prêmio literário do mundo --pelo menos até hoje.
Anteontem, quando foi anunciado que o galardão seria concedido ao francês J.M.G. Le Clézio (pronuncia-se lê clêziô), Engdahl justificou o prêmio pelo fato de o escritor ter como tema outras civilizações e modos de vida além do ocidental.
Michel Euler/AP
O vencedor do Nobel de literatura Le Clézio fala a imprensa nesta quinta-feira (9), em Paris
Até aí, aparentemente, tudo bem. Só que a declaração apenas veio reforçar a deliberada política do Nobel de não premiar autores norte-americanos nos últimos tempos.
Os argumentos do secretário são que a Europa está no centro do mundo literário, que é o único lugar que dá tranqüilidade a um escritor para trabalhar sem ser "massacrado" e que os EUA são um país isolado do diálogo internacional, por não traduzirem a produção de outros países e não se distanciarem da cultura de massas.
Ou seja, à reincidência de erros históricos --como não ter premiado Jorge Luis Borges e privilegiado autores obscuros-- a Academia Sueca acrescenta um preconceito ideológico a suas escolhas e põe em risco a legitimidade e o reconhecimento do prêmio Nobel.
O diretor da revista norte-americana "New Yorker" foi o primeiro a soltar o verbo contra Engdahl, dizendo que a obra de autores como seus compatriotas Philip Roth e John Updike não são afetadas "pelos efeitos devastadores da Coca-Cola".
Em entrevista à Folha, Remnick acrescentou que as colocações de Engdahl mostram ignorância com relação ao cenário de seu país. "Sua análise é banal e presunçosa."
O jornalista afirma que sempre houve dúvidas quanto ao Nobel. "A lista de omissões é muitas vezes mais contundente do que a de premiados."
E diz ainda que, entre os que já deveriam ter sido premiados, estão os acima mencionados Roth, Updike, e ainda os também norte-americanos Don DeLillo e Thomas Pynchon, o britânico Ian McEwan e o peruano Mario Vargas Llosa.
Antiamericanismo
Para o crítico da Folha Manuel da Costa Pinto, o Nobel nunca deixou de ter tom político, "a diferença é que agora está mais evidente o antiamericanismo vigente na Europa".
O colunista do diário britânico "The Guardian" Mark Lawson, em artigo publicado ontem, escreveu que a escolha de Le Clézio reforça a suspeita de que o comitê responsável pelo Nobel está resistindo a reconhecer a literatura norte-americana. Para ele, críticos dos dois lados do Atlântico considerariam os EUA como a atual "superpotência literária".
Lawson também comenta o que chama de "excêntrica leitura" da produção contemporânea dos EUA, por parte da Academia Sueca: o fato de que apenas Saul Bellow e Toni Morrison foram premiados nos últimos 32 anos. "É impossível negar que as decisões têm direcionamento político."
O diretor da fundação que concede o National Book Award, um dos mais importantes prêmios literários dos EUA, Harold Augenbraum, considera que a opção da Academia de "fazer uma avaliação estética baseada no que parece ser um julgamento político é errado".
Augenbraum considera uma ironia o fato de que Le Clézio seja conhecido por seu trabalho que aborda diversas perspectivas da cultura, sendo que esse tipo de literatura tornou-se um marco da produção norte-americana. "Veja a obra de Junot Díaz [de origem dominicana], Jhumpa Lahiri [indiana] e Aleksandar Hemon [bósnio], todos imigrantes nos EUA que escrevem em inglês, mas não tiraram seus países de origem de seu consciente."
Raphaëlle Rérolle, editora-adjunta do "Monde des Livres", suplemento literário do jornal francês "Le Monde", crê que uma parte interessante da literatura americana não fala somente dos EUA, mas de toda a humanidade, caso das obras de Roth e Norman Rush. "Há também escritores que falaram unicamente de seu cantinho nos EUA, como Faulkner, mas que são maravilhosos."
Tradução
Com relação à insuficiência de traduções, uma das razões apontadas por Engdhal para o distanciamento dos EUA do debate literário, Esther Allen, diretora do fundo de tradução do Pen Club (associação mundial de escritores), em Nova York, diz que, de certo modo, ele está certo, mas que há uma grande preocupação com o tema. Segundo ela, editores e festivais têm se dedicado a promover literatura traduzida. "Ele pode ter feito um enorme favor a todos que trabalhamos com isso, ao chamar a atenção do mundo para o assunto."
Rérolle concorda com Allen. "As críticas ao sistema editorial americano até são válidas." Mas acrescenta: "É injusto que recaiam sobre os autores. Não é um ponto de vista eurocêntrico, mas antiamericanista".

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