[Este meu conto está no Portal Literal deste mês. Já foi publicado aqui há muito tempo. Já deu para perceber que não tenho nada novo, não?]
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Lorena, com seu rosto de uma brancura alabastrina, nariz minúsculo e olhos que lembravam dois lagos plácidos comoveu-me à primeira mirada. Sou do tempo em que, para se descrever uma mulher, não temíamos os clichês. Casamo-nos depois de muito verbo, muitos presentes, muita amolação dos meus filhos que não queriam ver a herança escorrendo para mãos alheias. Um dia chego em casa ansioso por beijar minha doce Lorena e a encontro com Letícia, bebendo e rindo. ‘Minha melhor amiga’, disse ao apresentá-la. Semanas seguidas, ao chegar, tinha que fazer face àquela irritante presença. Insisti com Lorena para que fizéssemos uma viagem, ela recusou, não só recusou como explicou que ela e Letícia iam viajar juntas para uma convenção de bruxas, sim, que eu acreditasse, eram bruxas, eu podia esquecer tudo aquilo que conhecia sobre velhas de dentes pretos e nariz cheio de verrugas. Fez até uns truquezinhos para provar. Esperneei, aquilo já era abuso, ela ameaçou anular o casamento e eu cedi porque, apesar de todas as estranhezas, não queria arriscar-me a perdê-la. Por mais de um mês estiveram a viajar, meus filhos aproveitaram o tempo para aporrinhar-me, tratando-me como um velho gagá que tinha abandonado por completo o bom senso. Mas não era o meu senso que os preocupava.
Chegaram as bruxas, sim, chegaram, no plural. Encontrei-as dormindo na sala, livros jogados aqui e ali. ‘E então?’ Resmunguei alto com o claro intuito de acordá-las. Abriram os olhos se espreguiçando como duas gatas, disseram que estavam estudando bruxarias e caíram no sono....Olhei para as capas: Anaïs Nin, Virginia Woolf? Nunca me ocorreu que tivessem sido bruxas. Riram a mais não poder da minha observação e nem se deram o trabalho de explicar a bizarrice. Maldito o dia em que sucumbi, em que olhei para aqueles olhos, estava mesmo senil. Suspirei desanimado e sentei-me no sofá na frente delas. Comovidas pela minha resignação, vieram as duas, sentaram-se cada uma de um lado, passaram as mãos na minha cabeça e perguntaram, com uma doçura que me espantou, se eu estava bem e se desculparam pela risada sem propósito. Vocês são mesmo bruxas? Perguntei. Somos umas bruxinhas amadoras. Foi Letícia que respondeu, com uma voz brincalhona. Olhei para ela e só então percebi como era bonito o seu sorriso. Você vai morar aqui, Letícia? É um convite? Foi sua resposta. Era certo que eu estava perdendo a cabeça. Correu para a cozinha dizendo que ia preparar um banquete para comemorarmos, e preparou mesmo, fazia tempo que eu não comia e bebia tão bem. Preparam ainda meu banho, minha cama, contaram-me histórias até eu dormir, mas, quando acordei, não era em minha cama que Lorena estava. Levantei cedo e lá vieram as duas dar-me bom dia com beijinhos de filhas comportadas, agradecendo por eu ter ‘deixado’ Letícia morar conosco.
Agora nossos dias correm tranqüilos, adequei-me a esse estilo. É faltar uma delas em casa e já fico confuso.
Bruxas? Não acredito.
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Leila Silva Terlinchamp
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Lorena, com seu rosto de uma brancura alabastrina, nariz minúsculo e olhos que lembravam dois lagos plácidos comoveu-me à primeira mirada. Sou do tempo em que, para se descrever uma mulher, não temíamos os clichês. Casamo-nos depois de muito verbo, muitos presentes, muita amolação dos meus filhos que não queriam ver a herança escorrendo para mãos alheias. Um dia chego em casa ansioso por beijar minha doce Lorena e a encontro com Letícia, bebendo e rindo. ‘Minha melhor amiga’, disse ao apresentá-la. Semanas seguidas, ao chegar, tinha que fazer face àquela irritante presença. Insisti com Lorena para que fizéssemos uma viagem, ela recusou, não só recusou como explicou que ela e Letícia iam viajar juntas para uma convenção de bruxas, sim, que eu acreditasse, eram bruxas, eu podia esquecer tudo aquilo que conhecia sobre velhas de dentes pretos e nariz cheio de verrugas. Fez até uns truquezinhos para provar. Esperneei, aquilo já era abuso, ela ameaçou anular o casamento e eu cedi porque, apesar de todas as estranhezas, não queria arriscar-me a perdê-la. Por mais de um mês estiveram a viajar, meus filhos aproveitaram o tempo para aporrinhar-me, tratando-me como um velho gagá que tinha abandonado por completo o bom senso. Mas não era o meu senso que os preocupava.
Chegaram as bruxas, sim, chegaram, no plural. Encontrei-as dormindo na sala, livros jogados aqui e ali. ‘E então?’ Resmunguei alto com o claro intuito de acordá-las. Abriram os olhos se espreguiçando como duas gatas, disseram que estavam estudando bruxarias e caíram no sono....Olhei para as capas: Anaïs Nin, Virginia Woolf? Nunca me ocorreu que tivessem sido bruxas. Riram a mais não poder da minha observação e nem se deram o trabalho de explicar a bizarrice. Maldito o dia em que sucumbi, em que olhei para aqueles olhos, estava mesmo senil. Suspirei desanimado e sentei-me no sofá na frente delas. Comovidas pela minha resignação, vieram as duas, sentaram-se cada uma de um lado, passaram as mãos na minha cabeça e perguntaram, com uma doçura que me espantou, se eu estava bem e se desculparam pela risada sem propósito. Vocês são mesmo bruxas? Perguntei. Somos umas bruxinhas amadoras. Foi Letícia que respondeu, com uma voz brincalhona. Olhei para ela e só então percebi como era bonito o seu sorriso. Você vai morar aqui, Letícia? É um convite? Foi sua resposta. Era certo que eu estava perdendo a cabeça. Correu para a cozinha dizendo que ia preparar um banquete para comemorarmos, e preparou mesmo, fazia tempo que eu não comia e bebia tão bem. Preparam ainda meu banho, minha cama, contaram-me histórias até eu dormir, mas, quando acordei, não era em minha cama que Lorena estava. Levantei cedo e lá vieram as duas dar-me bom dia com beijinhos de filhas comportadas, agradecendo por eu ter ‘deixado’ Letícia morar conosco.
Agora nossos dias correm tranqüilos, adequei-me a esse estilo. É faltar uma delas em casa e já fico confuso.
Bruxas? Não acredito.
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Leila Silva Terlinchamp
12 comentários:
...Mas que elas existem, exitem.
Bem que eu tentei avisar, no Elogio da Mentira, que literatura é coisa do diabo. Ou, no caso, de bruxas. Sensacional, Leila. Beijo.
Não seriam três bruxos?
Acho que você mexeu, nesse conto, com um dos grandes fetiches do homem atual. E o fez de forma sutil, numa prosa esperta e bem conduzida. Eu estava esperando um outro final, mas a rodriguiana adaptação dele à situação inusitada deu um toque especial ao desfecho. Um abraço!
minha bisavó contava que a filha dela, minha tia-avó, havia sido enfeitiçada por uma bruxa... nunca duvidamos de que as bruxas existissem.
Gostei! Um bom abraço.
Adorei, Leilox. Danadas estas bruxas...hehe beijos, saudades, Mhel
Maravilha suas bruxas. Gostei muito. Saudadona
Andei viajando. Só agora leio seu ótimo conto.
Delicioso Leila. Tão leve e tão sutil... Abraço,
pois, é k há bruxedose ....bruxedos....ou feitiços e enfeitiçamentos...boa semana. Bjs de luz e paz
Ótimo conto, adorei esse contraste entre a leveza, os risinhos do texto, e a última frase, bem pé no chão! É minha primeira visita mas vou voltar.
Ah! Na apresentação da Bélgica, lá no comecinho, é bom lembrar dos gobellins também. Acho até que essa arte começou aí. Se não começou, com certeza atingiu a perfeição. Bjs.
Marilia
Clap clap clap
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