[Não faz parte, necessariamente, dos cadernos da Bélgica. Por falta de tempo de contar os casos daqui, saio da minha proposta e deixo esse conto curto.]
Airama
“ A mesma paisagem
escuta o canto e assiste
à morte da cigarra”
Matsuo Bashô
Um cão passa na rua. Um pobre cão magro e sem dono. Chamo-o chaninho…chaninho…chaninho…sem atentar que chaninho é chamamento para gato. Ainda assim ele vem. De tão pobre já deve ter perdido a dignidade canina.
Maria não me quer mais. Diz coisas descabidas, cospe no passado, rasga as fotos.
Dou um osso ao cão e ele abana o rabo feliz. Decerto.
Maria, agora, era pura matemática. Cinquenta por cento disso, cinquenta por cento daquilo.
Um dia colhi flores no campo e enfeitei os seus cabelos. Maria sorriu, desfez as malas e coloriu o meu armário.
Maria disse que já era ´Foda-se com as flores.´
Foda-se, tem cabimento? Não respeita mais nada.
O osso é muito pouco para um cão tão faminto, dou-lhe umas salsichas e ele agradece com o rabinho.
Um dia Maria acordou e anunciou que o perfume das flores silvestres não lhe bastava mais. Queria channel n. 5. Eu disse ´Maria, destroem a floresta e os homens da floresta para fabricar cheiro tão desnecessário.` Maria me olhou com raiva e eu ainda tentei ´O pau-rosa, Maria, não haverá mais pau-rosa.` Mas Maria não queria saber de nada.
Maria era só precisão ´Assine aqui, aqui e ali….`vai mostrando as linhas com o seu dedinho fino, era mais linda que uma laranjeira carregada.
Maria venceu na vida. Vejo a distante e artificial. Não se chama mais Maria, chama-se Airama e seu sorriso preenche a tela. Não tivesse ela telefonado para dizer seu novo nome e o horário do programa, eu não a teria reconhecido. Nem a voz era a mesma, nem os gestos, as pausas eram calculadas, os ângulos estudados, as frases bem articuladas e sem sentido. Maria venceu.
O cão ainda está aqui, lavei-o, alimentei-o, ele engordou…Olha para a televisão com a boca aberta e a língua de fora e faz ah! Ah! Maria fala das estradas que galgara para a fama, do casamento com um escritor misantropo, da sua alimentação natural, dá conselhos de beleza….Quanto mais revela, mais esconde. Maria, que era bonita como uma laranjeira. ´Foda-se com as flores.` Disse Maria e bateu a porta. Aqui fiquei com o cão que agora tem um nome, Orfeu. Orfeu faz ah! Ah! E eu passo a mão na sua cabeça. ´Já vamos, Orfeu, já vamos`.
escuta o canto e assiste
à morte da cigarra”
Matsuo Bashô
Um cão passa na rua. Um pobre cão magro e sem dono. Chamo-o chaninho…chaninho…chaninho…sem atentar que chaninho é chamamento para gato. Ainda assim ele vem. De tão pobre já deve ter perdido a dignidade canina.
Maria não me quer mais. Diz coisas descabidas, cospe no passado, rasga as fotos.
Dou um osso ao cão e ele abana o rabo feliz. Decerto.
Maria, agora, era pura matemática. Cinquenta por cento disso, cinquenta por cento daquilo.
Um dia colhi flores no campo e enfeitei os seus cabelos. Maria sorriu, desfez as malas e coloriu o meu armário.
Maria disse que já era ´Foda-se com as flores.´
Foda-se, tem cabimento? Não respeita mais nada.
O osso é muito pouco para um cão tão faminto, dou-lhe umas salsichas e ele agradece com o rabinho.
Um dia Maria acordou e anunciou que o perfume das flores silvestres não lhe bastava mais. Queria channel n. 5. Eu disse ´Maria, destroem a floresta e os homens da floresta para fabricar cheiro tão desnecessário.` Maria me olhou com raiva e eu ainda tentei ´O pau-rosa, Maria, não haverá mais pau-rosa.` Mas Maria não queria saber de nada.
Maria era só precisão ´Assine aqui, aqui e ali….`vai mostrando as linhas com o seu dedinho fino, era mais linda que uma laranjeira carregada.
Maria venceu na vida. Vejo a distante e artificial. Não se chama mais Maria, chama-se Airama e seu sorriso preenche a tela. Não tivesse ela telefonado para dizer seu novo nome e o horário do programa, eu não a teria reconhecido. Nem a voz era a mesma, nem os gestos, as pausas eram calculadas, os ângulos estudados, as frases bem articuladas e sem sentido. Maria venceu.
O cão ainda está aqui, lavei-o, alimentei-o, ele engordou…Olha para a televisão com a boca aberta e a língua de fora e faz ah! Ah! Maria fala das estradas que galgara para a fama, do casamento com um escritor misantropo, da sua alimentação natural, dá conselhos de beleza….Quanto mais revela, mais esconde. Maria, que era bonita como uma laranjeira. ´Foda-se com as flores.` Disse Maria e bateu a porta. Aqui fiquei com o cão que agora tem um nome, Orfeu. Orfeu faz ah! Ah! E eu passo a mão na sua cabeça. ´Já vamos, Orfeu, já vamos`.
Leila Silva
Um comentário:
Gostei!
Existiu uma casta de escritores italianos que seguiam uma linha um pouco cruel, coisas do tipo "a dura realidade da vida". Essa vertente literária recebeu o nome de veríssiomos. O maior de todos se chamava Giovanni Verga. Se tiver a oportunidade, leia-o.
Ciao.
Postar um comentário