Por Pieter Vanderveld
Traduzido por Leila Silva
Billy foi despertado de seu sono agitado pela voz de Willie Nelson, era o rádio-relógio sintonizado na estação de música country programado para as 5:00 da manhã. Mary Ann rolou para o lado e Billy viu de relance as suas coxas grossas e flácidas, sentou-se na beirada da cama king size e suspirou. A história, na verdade, nunca mudava, ela era sua quarta esposa, ele já deveria saber. Elas te encontram, te cobrem de amor, trepam quatro vezes ao dia e te arrastam, exausto, até o pastor. E Você, claro, sempre diz ‘Sim’. Quem quer deixar de viver no pecado? Dois anos depois já estão tão redondas quanto um barril, gastando o fim de semana no shopping e te empaturrando de porcarias.
Arrastou-se até a ducha, tentou livrar-se do sono e da ressaca da tequila. Na noite anterior tinha saído com os rapazes para festejar a venda do velho Delta. Conseguira, finalmente, passar aquela sucata para um grupo de mexicanos por mil e duzentos doláres. Nada mal para um Delta 88 que tinha ficado empatando lugar na sua garagem por longos oito meses.
Vestiu rapidamente uma camisa de flanela, um jeans e calçou suas botas Tony Lama. Dirigiu-se à garagem onde guardava o cofre com suas armas, abriu-o e pegou uma AK-47 feita na China, escolheu seu revólver favorito, um Glock austríaco e colocou-o no cinto. Era um americano de verdade, mas não se importava com a proveniência de suas armas posto que pudesse usá-las para proteger os seus. Era um patriota pragmático.
Pressionou o botão para abrir a porta da garagem e andou até sua camionete vermelha, abriu a porta, colocou o rifle no porta-armas atrás do banco, ligou a chave da ignição, fechou a garagem com o controle remoto e tomou a estrada. Parou no Dunkin Donut do bairro e pediu, do carro, dois cafés com leite e quatro donuts recheados de creme. Dirigiu-se a Maple Ridge Street, parou na frente da casa número 4406 e viu Roger espiando pela janela. Ele fechou a cortina e saiu carregando uma potente carabina Mauser que colocou em cima da arma de Billy. Cumprimentaram-se com um aperto de mãos e Roger pegou a bebida ainda quente e o pacote de donuts que Billy lhe estendia. Dirigiram-se em silêncio ao ponto de encontro enquanto mastigavam o manteigoso bolo frito. John e os outros rapazes esperavam no kilômetro 42 da rodovia estadual 187, a 15 minutos do sul de Phenix. Billy saiu da autopista e parou o veículo atrás da camionete Ford de Steve.
John veio ao encontro deles, alto, robusto, cumprimentou os companheiros com um largo sorriso e um abraço apertado. Foram juntos cumprimentar o resto do grupo, dois outros carros chegaram e estacionaram atrás de Billy. Depois de alguns minutos de conversa a respeito do tempo no deserto do Arizona, retornaram a seus respectivos veículos, foram em fila para a estrada com John na frente e Billy por último como tinha sido combinado.
Rodaram durante mais ou menos quarenta e cinco minutos e, então, viraram à esquerda, numa estrada empoeirada e sem nenhuma indicação, continuaram por esse caminho até uma morro, ali estacionaram os carros e pegaram suas armas. John inspecionou-as todas, ele tinha sido oficial do exército durante a guerra contra o Iraque em 1991, nunca participara de combates, mas dizia saber como eram feitos.
O grupo era composto de doze homens de meia idade que tinham se encontrado nos cafés da manhã de domingo organizados e patrocinados pela igreja Batista. O propósito dos encontros, à parte a leitura da Bíblia e testemunho da fé, era a troca de informações sobre seus pequenos negócios. John era agente de seguros, Billy tinha herdado do seu pai o lote de carros usados na Spring Road, Roger atuava no ramo imobiliário e Bud era contador. Em tudo os representantes da classe média branca americana, eram todos republicanos e apoiavam o presidente e as tropas. Estavam, porém, frustrados com o que parecia falta de interesse dos governantes com o controle das fronteiras do país. No Arizona podia-se perceber que a entrada de imigrantes ilegais não era levada a sério, havia ainda muitos pontos fronteiriços fáceis de serem perfurados.
Tinham se reunido em setembro e decidiram formar um grupo de voluntários para patrulhar, uma vez por mês, a fronteira do estado do Arizona. John era o líder natural deste grupo de homens brancos e cristãos, orgulhosos de suas descendências dos patriotas que botaram os ingleses para correr em 1776.
Depois de inspecionar o material, John decidiu que se postariam a cada 250 metros sobre o planalto que dava para o rio da fronteira com o México. Billy que tinha trocado de arma com Roger, segurava agora a Mauser equipada com uma poderosa mira telescópica. O sol começava a despontar e Billy já estava suado, sentindo-se desconfortável depois de estar postado ali por quarenta minutos. Foi então que avistou uma horda avançando dificilmente no terreno pedregoso, observou-os e contou, sete pessoas, duas mulheres, uma de mais ou menos vinte e cinco anos, outra mais velha, mais de quarenta, provavelmente. Havia ainda três crianças, um garoto e duas garotas de menos de dez anos, atrás um homem mais velho. Um rapaz magro, de chapéu cowboy e camisa western liderava o grupo. Billy escolheu-o mirou seu peito, logo abaixo do seu ombro esquerdo...
E puxou o gatilho.
5 comentários:
God save America! E a todos nós, porque, até agora, eles só apertam gatilhos. De um momento para outro, alguém irá apertar um certo botão vermelho.
Sensacional!!! Li e reli algumas vezes e essa frase foi a campeã:
"abriu-o e pegou uma AK-47 feita na China, escolheu seu revólver favorito, um Glock austríaco e colocou-o no cinto. Era um americano de verdade, mas não se importava com a proveniência de suas armas posto que pudesse usá-las para proteger os seus. Era um patriota pragmático."
Adoro estes paralelos... os mais fanáticos são eles!
E pensar que foi abrindo as portas e as fronteiras para imigrantes que esse país cresceu.
E quanto ao botão vermelho... God save the whole world.
Terrível Leila. E infelizmente bem realista. Lembrei do filme do Moore "Tiros em Columbine".
beijão,
Helena
Conto que faltou nas "Mil e Uma Noites"
"Ninguém me contou. Vi documentário produzido por grupo norte-americano e inglês sobre a invasão do Iraque durante os momentos iniciais, que foram iguais na truculência e na falta de sentido aos de qualquer outra guerra convencional, onde há um invasor e um invadido. Gigantesco avião, desses capazes de transportar Estados-Maiores, tanques, lanchas, peças de artilharia pesada e, evidentemente, bombas de imenso poder destrutivo.
As tomadas dentro do avião, já no espaço aéreo iraquiano, mostram a tripulação preparando-se para o ataque considerado defensivo, uma vez que a formidável máquina voadora pode, hipoteticamente, ser atacada por míssil inimigo.
O oficial encarregado de jogar as bombas prepara a parafernália tecnológica, testa os infinitos botões do seu painel -botões que indicam os alvos e a carga mortal que deverá despejar. Tudo pronto, ele abre o bolso superior de sua túnica militar e, de uma carteira de couro, tira uma foto doméstica, aparentemente feita num quarto de criança, em que aparece seu filho de oito ou nove anos, braços abertos, no gesto de quem quer abraçar o pai. A foto é colocada em frente, bem em cima do botão correspondente ao compartimento das bombas que, lá embaixo, matarão crianças iguais àquela.
O narrador do documentário, com voz comovida, patriótica, diz que o oficial, ao jogar bombas sobre o inimigo, está agindo para garantir ao filho e aos filhos daquele filho um futuro de paz e prosperidade. E tome bomba".
Esse é um trecho da crônica de Carlos Heytor Cony, publicado na Folha de São Paulo de sexta-feira passada. Junte-se a isso a história de "O segredo de Brokeback Mountain" que, apesar de ser um filme linearmente novelesco, mostra sem pudor a cara da sociedade americana. Talvez encontremos uma explicação (ou indicação) da neurose (ou hipocrisia)que envolve aquela nação. Quanto a merecer um Oscar, terá de ser apenas pela fotografia.
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