[Começo de ano, difícil resistir às listas, às análises do ano que passou, àquele balanço...Li pouco, muito menos do que devia ou queria. Claro, isso de muito ou pouco é relativo, mas gostaria de ter lido mais. Um dos problemas é que leio devagar. Uma vez até tentei um destes cursos de leitura dinâmica...não me lembro de nada, acho que só fui no primeiro dia. O professor era um americano. Dependendo do livro ou artigo eu até invento a minha leitura rápida, mas daqueles de que gosto mesmo, que leio com prazer, levo muitas horas...Além disso, infelizmente, muito infelizmente, sou uma leitora tardia e às vezes penso que nunca vou recuperar o tempo perdido. Morro de inveja dessas pessoas que ficam se gabando de que aos dez anos já tinham lido 769 clássicos. Eu, nos meus dez anos acho que só conhecia o Irene no céu do Manuel Bandeira e Marcelino Pão e vinho. Há um detalhe, mais importante do que sair lendo tudo é ser capaz de digerir o que se lê...Não sei mais onde li isso: “Ele leu tudo, mas não digeriu nada”. (Um jeito de me conformar, decerto).
Ler, finalmente, não é passar os olhos numa página e poder citar nomes de livros e autores. Penso que uma boa leitura nos transforma em algum sentido. Diz Roland Barthes no seu O Rumor da língua, que ‘A leitura é infinita (...) o leitor não decodifica, ele sobrecodifica.’ E ele compara a leitura a uma hemorragia. Gosto dessa figura. Pois é, não vou fazer o tal balanço, vim aqui para deixar uma crônica que escrevi para Anjos de Prata, tema escolhido por Lady Mhel, Saudade.]
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Saudades de Singapura?
Singapura não é, por assim dizer, aquele lugar que deixa as pessoas nostálgicas e que as leva a correrem à agência de viagens mais próxima para prepararem a viagem. É um lugar artificial, um oriente meio falso e um ocidente mais falso ainda já que ocidente nunca será, apesar dos esforços de alguns nesse sentido.
O inusitado de Singapura começa pelo símbolo, uma coisa chamada Merlion, o nome vem de mermaid e lion – sereia e leão em inglês. A parte de cima é o leão, representando a força, a parte debaixo é um rabo de sereia. O caso do rabo nunca ficou muito claro para mim, aparentemente tem algo a ver com o fato de Singapura ser uma ilha. Um leão com rabo de sereia! Estranho símbolo. Não conseguia ver os dois como uma combinação possível. Imagine-se um leão de cara brava, urrando quase, daí você olha para baixo e dá de cara com um rabo de sereia. Digo ‘rabo de sereia’ porque me disseram que é assim, poderia ser igualmente um ‘fishlion’, metade leão, metade peixe. Outra justificativa para parte deste símbolo é o próprio nome, Singapura que vem do sânscrito Singh, leão e Pura, cidade. Antigamente a ilha era chamada Temasek (cidade do mar) e a infeliz mudança deve-se à miopia de um princípe samatra que jurava ter visto um leão na ilha. Ninguém além do princípe viu este animal ali em toda a história de Singapura mas o nome ficou.
Não é bem saudade o que sinto com com relação a Singapura, guardo em mim uma terna lembrança dos passeios com Misako, minha doce amiga japonesa. Misako ainda vive? Não sei, apesar de jovem, o câncer pode tê-la levado. Caminhar devagar com ela pelo jardim botânico, pela Orchard road, tomar capuccinos juntas, escutar as histórias da sua família, correr da chuva, ter certeza de que da sua bolsa sairia uma sombrinha….Tudo lembranças. Mas guardo, sobretudo, aquele sentimento de descoberta, do primeiro olhar sobre as ruas e as pessoas, da fala e dos gestos. Rio, hoje, da forma ingênua e irritante com que os chineses te cobrem de perguntas: Quantos filhos tem? Por que não tem? Lembro-me dos passeios de bicicleta perto do canal, em Jurong, de quase cair ao tentar pedalar observando as casas e o velho chinês de cabelos longos e brancos, atados no alto da cabeça.
São muitas as lembranças, algumas para sempre congeladas em fotos que não dizem tudo, mas complementam.
Carrego, para sempre, uma Ásia em mim, uma Ásia que começou em Singapura.
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Obs: Singapura, em português oficial, até onde sei, se escreve com S. Em todo caso eu prefiro assim.
Foto: Dragão do mar. Sentosa, Singapura.
Leila Silva
Ler, finalmente, não é passar os olhos numa página e poder citar nomes de livros e autores. Penso que uma boa leitura nos transforma em algum sentido. Diz Roland Barthes no seu O Rumor da língua, que ‘A leitura é infinita (...) o leitor não decodifica, ele sobrecodifica.’ E ele compara a leitura a uma hemorragia. Gosto dessa figura. Pois é, não vou fazer o tal balanço, vim aqui para deixar uma crônica que escrevi para Anjos de Prata, tema escolhido por Lady Mhel, Saudade.]
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Saudades de Singapura?
Singapura não é, por assim dizer, aquele lugar que deixa as pessoas nostálgicas e que as leva a correrem à agência de viagens mais próxima para prepararem a viagem. É um lugar artificial, um oriente meio falso e um ocidente mais falso ainda já que ocidente nunca será, apesar dos esforços de alguns nesse sentido.
O inusitado de Singapura começa pelo símbolo, uma coisa chamada Merlion, o nome vem de mermaid e lion – sereia e leão em inglês. A parte de cima é o leão, representando a força, a parte debaixo é um rabo de sereia. O caso do rabo nunca ficou muito claro para mim, aparentemente tem algo a ver com o fato de Singapura ser uma ilha. Um leão com rabo de sereia! Estranho símbolo. Não conseguia ver os dois como uma combinação possível. Imagine-se um leão de cara brava, urrando quase, daí você olha para baixo e dá de cara com um rabo de sereia. Digo ‘rabo de sereia’ porque me disseram que é assim, poderia ser igualmente um ‘fishlion’, metade leão, metade peixe. Outra justificativa para parte deste símbolo é o próprio nome, Singapura que vem do sânscrito Singh, leão e Pura, cidade. Antigamente a ilha era chamada Temasek (cidade do mar) e a infeliz mudança deve-se à miopia de um princípe samatra que jurava ter visto um leão na ilha. Ninguém além do princípe viu este animal ali em toda a história de Singapura mas o nome ficou.
Não é bem saudade o que sinto com com relação a Singapura, guardo em mim uma terna lembrança dos passeios com Misako, minha doce amiga japonesa. Misako ainda vive? Não sei, apesar de jovem, o câncer pode tê-la levado. Caminhar devagar com ela pelo jardim botânico, pela Orchard road, tomar capuccinos juntas, escutar as histórias da sua família, correr da chuva, ter certeza de que da sua bolsa sairia uma sombrinha….Tudo lembranças. Mas guardo, sobretudo, aquele sentimento de descoberta, do primeiro olhar sobre as ruas e as pessoas, da fala e dos gestos. Rio, hoje, da forma ingênua e irritante com que os chineses te cobrem de perguntas: Quantos filhos tem? Por que não tem? Lembro-me dos passeios de bicicleta perto do canal, em Jurong, de quase cair ao tentar pedalar observando as casas e o velho chinês de cabelos longos e brancos, atados no alto da cabeça.
São muitas as lembranças, algumas para sempre congeladas em fotos que não dizem tudo, mas complementam.
Carrego, para sempre, uma Ásia em mim, uma Ásia que começou em Singapura.
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Obs: Singapura, em português oficial, até onde sei, se escreve com S. Em todo caso eu prefiro assim.
Foto: Dragão do mar. Sentosa, Singapura.
Leila Silva
11 comentários:
Leiloca, vc é imbativel em lembranças de viagens. Nos leva junto com vc. beijo.
delícia como sempre teu texto. Se é leitora tardia, aproveitou bem o que leu :)
tem um olhar sensível, isto basta. bj laura
O lugar em si, é difícil de nos fazer sentir saudades; mais vale a experiência nele, como bem relatado aqui! E leitura dinâmica não deve prestar, assim creio!
Liela, tenho um pressentimento de que este ano lágrimas, metafóricas ou não, rolarão de todos nós que procuramos uma luz no meio de tanta escuridão que se nos ofereceu nesse ano que findou.
E, de repente, não mais do que isso, surge um brilho nesse seu texto de rememoração e me faz pensar que leituras, ainda que tardias, nos inundam de esperanças.
Não tenho pressa em ler; apenas quero saborear cada palava como se fosse uma colherada daquele doce que, menino, ganhava da avó amorosa.
Leila, sempre comento que jamais chegaremos a ler ao menos um décimo de tudo que gostaríamos de ler. Mas que cada livro seja saboreado, vivido, letra por letra.
Leila, querida, eu também sou uma leitora lentíssima. Adoro degustar um bom livro/ leitura, bem lentamente. E as suas lembranças de Singapura são sempre uma deliciosa degustação... Beijo grande,
Também sou um leitor devagar, igual a você, me bate uma culpa vez em quando, até porque compro mais livros do que posso ler.
:)
beijos
rubens
Leila,
A crônica está como as outras: belíssima.
Para quem não queria escrever um balanço, você não se saiu bem. :)
...E que diferença faz como se escreve Singapura (eu também prefiro assim) se você continuar escrevendo desse modo?
OI Leilaa!
=]
Adorei teu blog!E estou afim de trocar informções com a galera de outros países, baixei esse programa pra poder falar com outros países pelo computador que tá de graça!=] Se tu quiser baixar, o link é esse: http://voip.terra.com.br/html/download.htm E se tu puder entrar no meu blog, e comentar, ficarei feliz=]
=*beijos
OI Leilaa!
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=*beijos
Leila ,querida,
Que linda e delicada lembrança de uma singapura perdida meu saudade inspirou a você...
Memórias são a infidelidade de nossa emoção e no seu caso, sensibilidade absoluta que você é, uma delicada joia, uma malásia pasárgada de ontem.
Fiquei feliz de saber que Irene foi uma das suas referências.
Sou leitora voraz e rápida, meu tempo é assim, mas em certos livros queridos me detenho, volto a eles ou me obrigo a rabiscar passagens para parar meu olhar inquieto.
beijão,
Mhel
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