terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Manhã


Parou no sinal e viu, ao lado, a mulher. Não olhava para nada. Esperava. Esperava que o primeiro carro se movesse e aí se moveria também, abandonaria aquele estado. Tudo ao redor inexistia, não podia parar de olhá-la, naquele segundo conhecia tanto dela, dos seus cabelos pretos caídos no ombro. Inalou o ar numa tentativa idiota de alcançar o seu cheiro. Como? Tantos vidros separando os dois e depois dos vidros a poluição, as vidas, aqueles moleques sujos sacudindo desespero em cambalhotas ou gestos de estudada humildade. E em casa Teresa servia o café sempre com as mesmas palavras, parecia um disco de auto-ajuda....quebrado. Uma baboseira sobre ser feliz, cega para o mundo. Cega, surda e feliz, mas não muda.
Num segundo, como se tivesse sentido, a mulher se virou.E o sinal mudou de cor.

4 comentários:

Allan Robert P. J. disse...

Abstrações do cotidiano. Encontramos pessoas em desencontros e ficamos esperando aquele momento se repetir, mas o momento não se repete. E há quem fique conjecturando como a vida poderia ser diferente se...

Laura_Diz disse...

Gostei muito. :) ah, esta Tereza... não sabe de nada.
Respondi lá sobre Callas.
:)
Bj laura

Anônimo disse...

Pedaços da vida real, Leila, escritos de forma poética. Beijo.

Helena disse...

Lembro desta rap que eu adorei. Fragmentos do cotidiano nos quais você é mestra.

beijos,

Helena