Cadê os plural?
Ricardo Freire in: Revista Época, 21 de Fevereiro de 2005.
É só impressão minha, ou está cada vez mais difícil ouvir plurais ortodoxos? Aqueles de antigamente, arrematados com um "s" - plurais tradicionais, quatrocentões? Os plurais agora estão cada vez mais enrustidos, dissumulados, problemáticos. Cada vez menos plurais são assumidos. Os plurais agora precisam ser subentendidos.
Verdade seja dita: não somos os únicos no mundo a ter problemas com a maldita letra "s" no final das palavras. Os franceses, debaixo de toda aquela empáfia, há séculos desistiram de pronunciar o "s" dos plurais. No fracês oral, o plural é indicado pelo artigo, e pronto. Ou seja: eles falam "as mina" e "os mano" desde que foram promovidos de gauleses a guardiães da cultura e da civilização.
Os italianos também não podem com a letra "s" no fim das palvras. Fazem seus plurais em "i" e em "e" dependendo do sexo, ops, do gênero das palavras. Quando a palavra é estrangeira, entretanto, eles simplesmente desistem de falar no plural: decretaram que termos forasteiros são invariáveis, e tudo bem. Una foto, due foto; una caipirinha, quattro caipirinha. Quattro caipirinha? Hic! Zuzu bem!
Os alemães, metódicos que só, reservaram o "s" justamente a esses vocábulos estrangeiros que os italianos permitem que andem por aí sem plural. Com as palavras do seu próprio idioma, no entanto, os alemães são implacáveis. As palavras mais sortudas ganham apenas um "e" no final, mas as outras são flexionadas com requintes de tortura - com "n" (!) ou com "r" (!!), às vezes cem conjunto com um trema (!!!) numa vogal da penúltima sílaba (!!!!), só para infernizar a vida dos alunos do Instituto Goethe ao redor do planeta.
Práticos são os indonésios, que formam plural simplesmente duplicando o singular: gado-gado, padang-padang, ylang-ylang. Pelo menos foi isso que eu li uma vez. (Claro que não chequei a informação. Eu detestaria descobrir que isso não é verdade.) Já pensou se a moda pega aqui, feito aquele pavoroso cigarro de cravo? Um chopps e dois pastel-pastel.
Nem mesmo nossos primos de fala espanhola escapam da síndrome dos comedores de plural. Os andaluzes e praticamente todos os latino-americanos também não são muito chegados a um "s" final. Em vez do "s" ríspido e perigosamente carregado de saliva dos madrilenhos (que chiam quase tanto quanto os portugueses) , eles transformaram o plural num acontecimento sutil, perceptível apenas por ouvidos treinados. Em Sevilha, Buenos Aires ou em Santo Domingo, o "s" vira um "h" aspirado - lah cosah, lah personah, loh pluraleh.
Entre nós, contudo, a mutilação do plural não tem nada a ver com sotaques ou incapacidade de pronuncia fonemas. Aqui em São Paulo, a falta de "s" é um fenômeno sociocultural. Os pobres não falam plural por falta de cultura. Da classe média para cima, deixamos o plural de lado quando há excesso de intimidade. É como se o plural fosse algo opcional, como escolher entre "você" e "senhor". Se a situação exige, você vai lá e aperta a tecla PLURAL. Se a conversa for entre amigos, basta desligar, e os esses desaparecem em algum ponto entre o cérebro e a boca.
O que se deve fazer? Uma grande campanha educativa, com celebridades declarando que é chique falar os plurais? Lançar pagodes e canções sertanejas falando da dor-de-cotovelo causada por não usar "s" no final das palavras? Ou contratar um grupo de artistas alternativos para sair pichando nos muros por aí uma mensagem persuasiva? Tipo assim: OS MANOS E AS MINAS?
É só impressão minha, ou está cada vez mais difícil ouvir plurais ortodoxos? Aqueles de antigamente, arrematados com um "s" - plurais tradicionais, quatrocentões? Os plurais agora estão cada vez mais enrustidos, dissumulados, problemáticos. Cada vez menos plurais são assumidos. Os plurais agora precisam ser subentendidos.
Verdade seja dita: não somos os únicos no mundo a ter problemas com a maldita letra "s" no final das palavras. Os franceses, debaixo de toda aquela empáfia, há séculos desistiram de pronunciar o "s" dos plurais. No fracês oral, o plural é indicado pelo artigo, e pronto. Ou seja: eles falam "as mina" e "os mano" desde que foram promovidos de gauleses a guardiães da cultura e da civilização.
Os italianos também não podem com a letra "s" no fim das palvras. Fazem seus plurais em "i" e em "e" dependendo do sexo, ops, do gênero das palavras. Quando a palavra é estrangeira, entretanto, eles simplesmente desistem de falar no plural: decretaram que termos forasteiros são invariáveis, e tudo bem. Una foto, due foto; una caipirinha, quattro caipirinha. Quattro caipirinha? Hic! Zuzu bem!
Os alemães, metódicos que só, reservaram o "s" justamente a esses vocábulos estrangeiros que os italianos permitem que andem por aí sem plural. Com as palavras do seu próprio idioma, no entanto, os alemães são implacáveis. As palavras mais sortudas ganham apenas um "e" no final, mas as outras são flexionadas com requintes de tortura - com "n" (!) ou com "r" (!!), às vezes cem conjunto com um trema (!!!) numa vogal da penúltima sílaba (!!!!), só para infernizar a vida dos alunos do Instituto Goethe ao redor do planeta.
Práticos são os indonésios, que formam plural simplesmente duplicando o singular: gado-gado, padang-padang, ylang-ylang. Pelo menos foi isso que eu li uma vez. (Claro que não chequei a informação. Eu detestaria descobrir que isso não é verdade.) Já pensou se a moda pega aqui, feito aquele pavoroso cigarro de cravo? Um chopps e dois pastel-pastel.
Nem mesmo nossos primos de fala espanhola escapam da síndrome dos comedores de plural. Os andaluzes e praticamente todos os latino-americanos também não são muito chegados a um "s" final. Em vez do "s" ríspido e perigosamente carregado de saliva dos madrilenhos (que chiam quase tanto quanto os portugueses) , eles transformaram o plural num acontecimento sutil, perceptível apenas por ouvidos treinados. Em Sevilha, Buenos Aires ou em Santo Domingo, o "s" vira um "h" aspirado - lah cosah, lah personah, loh pluraleh.
Entre nós, contudo, a mutilação do plural não tem nada a ver com sotaques ou incapacidade de pronuncia fonemas. Aqui em São Paulo, a falta de "s" é um fenômeno sociocultural. Os pobres não falam plural por falta de cultura. Da classe média para cima, deixamos o plural de lado quando há excesso de intimidade. É como se o plural fosse algo opcional, como escolher entre "você" e "senhor". Se a situação exige, você vai lá e aperta a tecla PLURAL. Se a conversa for entre amigos, basta desligar, e os esses desaparecem em algum ponto entre o cérebro e a boca.
O que se deve fazer? Uma grande campanha educativa, com celebridades declarando que é chique falar os plurais? Lançar pagodes e canções sertanejas falando da dor-de-cotovelo causada por não usar "s" no final das palavras? Ou contratar um grupo de artistas alternativos para sair pichando nos muros por aí uma mensagem persuasiva? Tipo assim: OS MANOS E AS MINAS?
2 comentários:
Muito bom, mana. bj Laura
Não é só plural que está faltando não, Leila, falta conjugação, falta construção de uma frase inteligível, falta tudo.
Isso quanto à gramática, porque, em termos gerais está faltando mesmo é vergonha na cara.
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