Os quase três anos que passei na Bélgica serviram-me para passar de um estado de incompreensão sobre as rivalidades comunitárias no país para um estado de incompreensão sobre a existência do próprio país.Dois exemplos para ilustrar o que quero dizer: uma colega americana colocava os sacos do lixo à porta e ninguém os recolhia. Após uma aturada pesquisa descobriu que, como morava numa região flamenga, os sacos do lixo não podiam ter escrito “saco do lixo” em francês. Quando um polícia de origem flamenga me estendeu uma multa de estacionamento escrita em neerlandês, recusei. Acabou por confessar que não sabia escrever francês e pediu-me para que eu redigisse a minha própria multa (!?). Recusei de novo e poupei 250 francos.Como é que o País funciona? Não funciona. Há governos regionais, parlamentos regionais, partidos regionais e quase nada nacional. Duas instituições ainda os vão unindo: o Rei e a selecção de futebol. Só que o Rei tem cada vez menos importância e começa a ser contestado e a equipa de futebol começa a ser um problema porque, só podendo jogar 11 de cada vez, é difícil assegurar a paridade linguística.Ontem houve eleições locais na Bélgica. Como se esperava, a extrema-direita aumentou a votação um pouco por todo o lado na Flandres. Só não conquistou Câmaras porque os outros partidos formaram coligações a que chamam “cordão sanitário”. A extrema-direita belga não é só fascista e xenófoba, é também separatista. Não se sabe por quanto tempo o “cordão sanitário” vai aguentar. Os problemas continuam todos lá e entre histórias de corrupção, manobras politicas e rivalidades regionais, os eleitores vão deslizando para a extrema-direita e, a continuar assim, nas legislativas do próximo ano não há cordão que lhes valha. Isto poderá significar que o próximo País a entrar na UE não será a Croácia ou a Turquia ou até a Ucrânia mas a Bélgica vezes dois. Será, então, interessante ver como é que a UE vai lidar com o assunto e, sobretudo, o que vai fazer com uma Flandres governada pela extrema-direita.Ainda não chegámos lá mas também já estivemos mais longe.Vejamos contudo as coisas pelo lado positivo: pode ser que a selecção portuguesa de futebol possa ter que enfrentar duas selecções fraquinhas em vez de uma mediana.
sábado, 18 de novembro de 2006
Bélgica x 2 ?
Artigo de José Ramos, Retirado de Briteiros (Segunda-feira, Outubro 09, 2006)
Os quase três anos que passei na Bélgica serviram-me para passar de um estado de incompreensão sobre as rivalidades comunitárias no país para um estado de incompreensão sobre a existência do próprio país.Dois exemplos para ilustrar o que quero dizer: uma colega americana colocava os sacos do lixo à porta e ninguém os recolhia. Após uma aturada pesquisa descobriu que, como morava numa região flamenga, os sacos do lixo não podiam ter escrito “saco do lixo” em francês. Quando um polícia de origem flamenga me estendeu uma multa de estacionamento escrita em neerlandês, recusei. Acabou por confessar que não sabia escrever francês e pediu-me para que eu redigisse a minha própria multa (!?). Recusei de novo e poupei 250 francos.Como é que o País funciona? Não funciona. Há governos regionais, parlamentos regionais, partidos regionais e quase nada nacional. Duas instituições ainda os vão unindo: o Rei e a selecção de futebol. Só que o Rei tem cada vez menos importância e começa a ser contestado e a equipa de futebol começa a ser um problema porque, só podendo jogar 11 de cada vez, é difícil assegurar a paridade linguística.Ontem houve eleições locais na Bélgica. Como se esperava, a extrema-direita aumentou a votação um pouco por todo o lado na Flandres. Só não conquistou Câmaras porque os outros partidos formaram coligações a que chamam “cordão sanitário”. A extrema-direita belga não é só fascista e xenófoba, é também separatista. Não se sabe por quanto tempo o “cordão sanitário” vai aguentar. Os problemas continuam todos lá e entre histórias de corrupção, manobras politicas e rivalidades regionais, os eleitores vão deslizando para a extrema-direita e, a continuar assim, nas legislativas do próximo ano não há cordão que lhes valha. Isto poderá significar que o próximo País a entrar na UE não será a Croácia ou a Turquia ou até a Ucrânia mas a Bélgica vezes dois. Será, então, interessante ver como é que a UE vai lidar com o assunto e, sobretudo, o que vai fazer com uma Flandres governada pela extrema-direita.Ainda não chegámos lá mas também já estivemos mais longe.Vejamos contudo as coisas pelo lado positivo: pode ser que a selecção portuguesa de futebol possa ter que enfrentar duas selecções fraquinhas em vez de uma mediana.
Os quase três anos que passei na Bélgica serviram-me para passar de um estado de incompreensão sobre as rivalidades comunitárias no país para um estado de incompreensão sobre a existência do próprio país.Dois exemplos para ilustrar o que quero dizer: uma colega americana colocava os sacos do lixo à porta e ninguém os recolhia. Após uma aturada pesquisa descobriu que, como morava numa região flamenga, os sacos do lixo não podiam ter escrito “saco do lixo” em francês. Quando um polícia de origem flamenga me estendeu uma multa de estacionamento escrita em neerlandês, recusei. Acabou por confessar que não sabia escrever francês e pediu-me para que eu redigisse a minha própria multa (!?). Recusei de novo e poupei 250 francos.Como é que o País funciona? Não funciona. Há governos regionais, parlamentos regionais, partidos regionais e quase nada nacional. Duas instituições ainda os vão unindo: o Rei e a selecção de futebol. Só que o Rei tem cada vez menos importância e começa a ser contestado e a equipa de futebol começa a ser um problema porque, só podendo jogar 11 de cada vez, é difícil assegurar a paridade linguística.Ontem houve eleições locais na Bélgica. Como se esperava, a extrema-direita aumentou a votação um pouco por todo o lado na Flandres. Só não conquistou Câmaras porque os outros partidos formaram coligações a que chamam “cordão sanitário”. A extrema-direita belga não é só fascista e xenófoba, é também separatista. Não se sabe por quanto tempo o “cordão sanitário” vai aguentar. Os problemas continuam todos lá e entre histórias de corrupção, manobras politicas e rivalidades regionais, os eleitores vão deslizando para a extrema-direita e, a continuar assim, nas legislativas do próximo ano não há cordão que lhes valha. Isto poderá significar que o próximo País a entrar na UE não será a Croácia ou a Turquia ou até a Ucrânia mas a Bélgica vezes dois. Será, então, interessante ver como é que a UE vai lidar com o assunto e, sobretudo, o que vai fazer com uma Flandres governada pela extrema-direita.Ainda não chegámos lá mas também já estivemos mais longe.Vejamos contudo as coisas pelo lado positivo: pode ser que a selecção portuguesa de futebol possa ter que enfrentar duas selecções fraquinhas em vez de uma mediana.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário