sábado, 4 de setembro de 2004

Singapura

[Pois é, eu nunca deveria ter chamado isso de Cadernos da Bélgica.....Aí vai um texto de mais ou menos 2000, quando estava chegando em Singapura. Já sei, em português do Brasil é com C. Prefiro com S. Explicarei a questão da grafia em outro post.]


Chegando em Singapura.....


“Senhores passageiros, gostaríamos de lembrar-lhes que Singapura aplica a pena de morte aos traficantes de drogas e patati patata…patata”. Estico as pernas enquanto escuto algo desse gênero em inglês, depois em chinês e outras línguas mais. Por umas graminhas de nada de maconha o seu pescocinho pode sentir a aspereza da corda das autoridades de Singapura. Parece que ainda usam o enforcamento....Ai! Estico mais as pernas cansadas de tantas horas de vôo, loucas para sentir o ar e o solo da Ásia. Ásia, quase um sonho, a única porção de Ásia que eu conheço até aqui é a parte Oriental de Istambul. Já não posso mais esperar e agora essa fulana aí me falando em pena de morte. Quem seria louco o bastante para aterrissar nesse país com droga na mala? Há sempre uns desavisados e quem avisa amigo é.... Agora ninguém mais estava desavisado pois a mocinha explicou a coisa em pelo menos quatro línguas. Já não agüento mais de vontade de chegar. Nem sei onde estou chegando mas quero chegar, quero deixar essa nau, essa caravela, esse trem! E essa moça que só fala em droga e pena de morte. Já querem nos assustar antes da chegada. Dou mais umas esticadas e, tranqüila, penso que não tenho nada a temer. A única droga que carrego são as eternas e ternas aspirinas. Será que têm alguma coisa contra as aspirinas também? Ouço mais um pouco da ladainha para ver se ela vai chegar nas aspirinas. Não. Me estico mais, olho para baixo, água, água, água. Afinal Singapura é uma ilha. Faço umas ginasticazinhas com os pés e me vem à cabeça, sem mais nem porquê, uns filmes bestas de sessão coruja onde há uma mocinha americana viajando para algum lugar da Ásia, Tailândia, talvez.... Lá vai a mocinha toda inocente pensando na praia que vai pegar e de repente, não mais que de repente encontram uns quilos de pó na mala da coitada. E ela com cara de ‘como isso apareceu aí?’. Na verdade é inocente, mas não convence os malvados policiais que querem se aproveitar de uma pobre (pobre no sentido de coitada, afinal ela é Americana e turista) estrangeira. Resultado: Prisão e muito bafafá até que no final os pais ou a embaixada americana ou o amante conseguem resgatar a aventureira da sua miséria asiática. A lembrança desse ‘clássico’ do cinema é bastante para dar asas à minha imaginação de paranóica. Penso na minha mala que não foi fechada a chave. Imagino todos os caminhos que ela possa ter percorrido. E se alguém colocou umas muambas lá dentro. Ai Jesus! E eu nem sou americana. Quem vai se importar com a sorte de uma brasileira traficante? Ninguém. Isso não vai dar nenhuma bilheteria. Vai dar, no máximo, uma foto com a cara bem assustada no jornal da minha cidade. Espero que pelo menos a minha família entenda que eu sou INOCENTE, que eu só tinha as aspirinas.

Afinal pousamos e é com certo alívio que pego as minhas malas intactas, sem revistas, sem policiais. Aliás tudo é calmo e fácil demais para quem ouviu tantas estórias. O aeroporto é extremamente organizado, tão limpo quanto um hospital e não há esperas.

Assim começa a minha primeira incursão pela Asia.

Leila Silva

leilaterlinc@yahoo.com.br


3 comentários:

Anônimo disse...

É... nem todas as ilhas são como a Bélgica... Ei, mas a Bélgica não é uma ilha?! Ou é? Bem, para o Marvin Gaye reestabelecer seu body&soul ela chegou a ser.

Anônimo disse...

...e eu já estava vendo vc com a mala cheia de pó, menina!
Nora Borges

Allan Robert P. J. disse...

Pois é!
As vezes a espera causa expectativa desnecessária. E chegamos à conclusão que Amsterdã, Cingapura (que em italiano também é com "s") ou Roma são iguais. O que muda é a geografia.
Ciao.