sábado, 17 de julho de 2010

Com que corpo eu vou?

Artigo muito interessante de Maria Rita Kehl

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É fato que as sociedades burguesas, desde o século 19, consideraram o corpo como propriedade privada e responsabilidade de cada um. O corpo -mas o corpo vestido, domado pela compostura burguesa e embalado pelo código das roupas- era o primeiro signo que o "self-made man" em ascensão, sem antecedentes nobres, emitia diante do outro a respeito de quem ele "é". A aparência substituiu, com vantagens democráticas, o "sangue". O corpo bem-comportado de até poucas décadas atrás dizia: sou uma pessoa decente, confiável, honrada -e meus negócios vão bem.
O corpo malhado, sarado e siliconado do novo milênio diz: sou um corpo malhado, sarado, siliconado. O circuito se fecha sobre si mesmo. Parece a ética dos "cuidados de si" pesquisada por Michel Foucault, mas não é. O sentido da prática dos cuidados de si a que se dedicavam alguns cidadãos romanos, na Antiguidade, estava diretamente articulado ao papel desses homens na vida pública. Ser capaz de cuidar bem do corpo e da mente era condição para cuidar bem dos assuntos da "polis". No Brasil de hoje, em que o espaço público foi a um só tempo desmantelado e ocupado pela televisão, a produção dos corpos é a produção da visibilidade vazia, da imagem que tenta apagar a um só tempo o sujeito do desejo e o sujeito da ação política.
A cultura do corpo não é a cultura da saúde, como quer parecer. É a produção de um sistema fechado, tóxico, claustrofóbico. Nesse caldo de cultura insalubre, desenvolvem-se os sintomas sociais da drogadição (incluindo o abuso de hormônios e anabolizantes), da violência e da depressão. Sinais claros de que a vida, fechada diante do espelho, fica perigosamente vazia de sentido.

Maria Rita Kehl é psicanalista e ensaísta, autora de "Sobre Ética e Psicanálise" (Companhia das Letras), entre outros.

3 comentários:

Allan Robert P. J. disse...

Antigamente também contava a aparência do corpo para ter sucesso, inclusive na política. Hoje conta muito mais, com as honrosas exceções. Na realidade nossos corpos são espelhos de nossas almas. Alguns são feios; outros, artificialmente belos. Gosto de corpo com sinais do tempo, autêntico ainda que curvo. Gosto de poder enxergar a alma.

Alex Zigar disse...

Sem dúvida, existe uma “ditadura da moda” imposta por algumas mídias e alimentada por uma sociedade consumista.

Sonia Sant'Anna disse...

Já se louvou o mens sana in corpore sano. Depois a mens sana se tornou supérflua. Depois, até o corpore deixou de ser sano, forçado, exigido ao máximo, escravizado aos modismos, intoxicado por bombas energéticas.