No feriado de 7 de setembro eu viajei um pouco, mas mais interessante que a viagem foi a leitura de mais um livro de Primo Levi, A Trégua. Neste livro, que é autobiográfico como toda ou quase toda sua obra, ele narra a viagem de volta à Itália depois do final da guerra. Se é que uma guerra termina, num dado momento do livro um dos seus companheiros de desgraça lhe diz, para dar um sacolejo: "Guerra é sempre'. Para os que não sabem, Primo Levi era um judeu italiano, um jovem químico na época do holocausto. O primeiro livro que li dele, há muitos anos, foi emprestado pela minha irmã que o leu no curso de história quando estava fazendo um trabalho sobre memória, chama-se Os Afogados e os Sobreviventes. Já nessa época fiquei muito impressionada e pretendo ler todos os livros dele que encontrar por mais tristes que sejam.
Triste sobretudo depois de eu ter vivido vários anos na Europa e de ter tido contato com tanta gente que, ainda hoje, está marcada pelo holocausto. Historicamente foi 'ontem'. O pai do meu marido era um sobrevivente do holocausto, passou vários anos em campos de concentração, quando saiu não pesava 40 kilos, inúmeros problemas de saúde e problemas psicológicos dos quais nunca se livrou, só na morte. O avó materno das filhas do meu marido, que era alemão e judeu, perdeu a mãe e outros familiares no holocausto.
Um dia, quando vivia em Bruxelas, uma vizinha, uma senhora luxemburguesa, me parou no corredor para reclamar de outro vizinho, um chileno realmente insuportável mal educado e violento, eu ainda não o conhecia direito e resolvi tentar uma defesa tosca, disse 'madame, um pouco de paciência, vai ver que ele foi muito maltratado por Pinochet.....' e tive que ouvir uma hora de aula de história sobre a segunda guerra e tudo que ela e a família tinham passado para me dizer que 'nada' justificava as atitudes do vizinho. Era assim na Europa, às vezes no meio de um jantar o assunto surgia, eu sempre prestava muita atenção, não que o assunto fosse novo, mas a proximidade com vítimas e testemunhos, isso era muito novo. Lendo Primo Levi, aprendo mais ainda e aí me perguntei "sim, conheço um pouco mais sobre a segunda guerra, conheço o testemunho de mais um sobrevivente, isso ajuda em quê? Se amanhã houver algo parecido (ou algo parecido não estaria acontecendo hoje em algum lugar no mundo?) esse conhecimento me ajudaria de que modo? O que eu poderia fazer para ajudar a evitar?" Talvez por eu ser muito pessimista a resposta a que cheguei foi a de que, muito provavelmente, isso não ajudaria em nada. Não somos super heróis. O companheiro da minha irmã é também sobrevivente de uma tragédia política, (ou se lá como chamar isso), é ruandês. Um dia, não falávamos do genocídio no seu país que não é seu assunto preferido, mas sim do holocausto e ele disse que achava que certas coisas era 'melhor tentar esquecer'. Pode ser que tenha razão, mas não consigo aceitar isso e prefiro seguir sabendo, mesmo sendo impotente.
Um trecho de A Trégua:
"Regressávamos mais ricos ou mais pobres, mais fortes ou mais vazios? Não sabíamos: mas sabíamos que nos patamares das nossas casas, para o bem ou para o mal, nos esperava uma prova, e aguardávamo-la com temor."
....
Na foto Primo Levi com seu olhar triste.
2 comentários:
Você ia gostar de ler "A mulher do meio-dia" de Julia Francks. Esta é uma tradução minha para o título em alemão: Die Mittagsfrau. Infelizmente ainda não traduzido para o português. Mas não custa deixar a anotação, quem sabe ele seja traduzido em breve? :)
http://de.wikipedia.org/wiki/Die_Mittagsfrau
Temos o hábito de pensar que, uma vez terminada a guerra, a vida recomeça. Em A Trégua, temos a trágica marcha de sobreviventes de Auschwitz através de uma
Europa destruída em busaca do lar perdido.
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