sexta-feira, 31 de março de 2006
quarta-feira, 29 de março de 2006
Isabel
[Conto Anjos de Prata]
Ao final de algumas horas a casa reluzia, não sobrou um grão de poeira, uma mancha na parede, cada canto fora revirado e tratado com água, sabão, vassouradas e espanadas. Depois o batalhão de mulheres tomou o rumo da cozinha para cuidar da etapa seguinte, as comidas. O noivo de Isabel, minha prima, chegaria naquele dia. Tanta preparação e tanta preocupação! Quem seria o príncipe merecedor desses cuidados? Perguntávamo-nos sem, entretanto, largar as nossas brincadeiras que consistiam em grudar chiclete na calçada, deixar que se amolecesse pelo sol, esperar que um desavisado pisasse ali e saísse fulminando. Às vezes esperávamos muito tempo por nada, ninguém passava ou, quando passava, percebia o chiclete a tempo de evitar a catástrofe e perturbar o nosso deleite. Guiados por minha prima (não a noiva mas a sua irmã mais nova) passamos a outros experimentos como encher um balão de água, esperar um infeliz passante do alto de uma escada e lançar sobre ele o nosso engenho. Essa era uma abordagem mais direta e satisfazia melhor as nossas ambições. Parabenizávamos Valentina pela excelente idéia mas logo a minha tia, uma bruxa-desmancha-prazeres, avisada por uma das nossas vítimas vinha pôr fim ao jogo. Não tínhamos sossego.
À noite ele chegou. Vinha do Rio e isso era longe, quase exótico. Casaram-se algum tempo depois e não sei até quando foram felizes. Nem sei se houve tempo para felicidade. Não demorou muito para que o príncipe tirasse a sua máscara e Isabel confeccionasse a sua. Virou atriz doméstica e passou a representar o tempo todo. Tanto representou que passou a acreditar que ela era aquela e não a outra de antes do casamento. Às vezes até aparecia com grandes óculos escuros de star, os quais não tirava para nada e ria um riso falso enquanto contava estórias de esbarrões, queimaduras, choques que deixavam marcas na sua pele. Afinal de contas não era tão boa atriz.
Nunca mais ninguém lavou a casa para receber o príncipe de araque, nem mesmo o primeiro degrau da entrada. Aliás, a minha tia o fez compreender que ele estava dispensado de ultrapassar aquele degrau. Estava mais do que dispensado e menos do que proibido. Não podia proibir porque afinal, nunca se sabe…Infelizmente ele agora era parte da família.
Pobre tia chata. Perdeu esse jogo.
Ao final de algumas horas a casa reluzia, não sobrou um grão de poeira, uma mancha na parede, cada canto fora revirado e tratado com água, sabão, vassouradas e espanadas. Depois o batalhão de mulheres tomou o rumo da cozinha para cuidar da etapa seguinte, as comidas. O noivo de Isabel, minha prima, chegaria naquele dia. Tanta preparação e tanta preocupação! Quem seria o príncipe merecedor desses cuidados? Perguntávamo-nos sem, entretanto, largar as nossas brincadeiras que consistiam em grudar chiclete na calçada, deixar que se amolecesse pelo sol, esperar que um desavisado pisasse ali e saísse fulminando. Às vezes esperávamos muito tempo por nada, ninguém passava ou, quando passava, percebia o chiclete a tempo de evitar a catástrofe e perturbar o nosso deleite. Guiados por minha prima (não a noiva mas a sua irmã mais nova) passamos a outros experimentos como encher um balão de água, esperar um infeliz passante do alto de uma escada e lançar sobre ele o nosso engenho. Essa era uma abordagem mais direta e satisfazia melhor as nossas ambições. Parabenizávamos Valentina pela excelente idéia mas logo a minha tia, uma bruxa-desmancha-prazeres, avisada por uma das nossas vítimas vinha pôr fim ao jogo. Não tínhamos sossego.
À noite ele chegou. Vinha do Rio e isso era longe, quase exótico. Casaram-se algum tempo depois e não sei até quando foram felizes. Nem sei se houve tempo para felicidade. Não demorou muito para que o príncipe tirasse a sua máscara e Isabel confeccionasse a sua. Virou atriz doméstica e passou a representar o tempo todo. Tanto representou que passou a acreditar que ela era aquela e não a outra de antes do casamento. Às vezes até aparecia com grandes óculos escuros de star, os quais não tirava para nada e ria um riso falso enquanto contava estórias de esbarrões, queimaduras, choques que deixavam marcas na sua pele. Afinal de contas não era tão boa atriz.
Nunca mais ninguém lavou a casa para receber o príncipe de araque, nem mesmo o primeiro degrau da entrada. Aliás, a minha tia o fez compreender que ele estava dispensado de ultrapassar aquele degrau. Estava mais do que dispensado e menos do que proibido. Não podia proibir porque afinal, nunca se sabe…Infelizmente ele agora era parte da família.
Pobre tia chata. Perdeu esse jogo.
terça-feira, 21 de março de 2006
segunda-feira, 20 de março de 2006
“O Brasil é um destruidor do seu passado”
Vi ontem na TV5 um documentário sobre o Brasil. Na abertura mostraram Recife e o frevo. Depois colocaram lá um mapa do Brasil para dar uma dimensão do tamanho da ‘coisa’, mostraram que ali estava o pulmão do mundo (repetindo as expressões), o tantão de água que nós temos, depois foram para o Rio, mostraram algumas bundas, o bonde de Santa Teresa, a Rocinha e violência, violência, violência.
A frase do título foi tirada de um comentário que fizeram sobre a preservação do patrimônio histórico no Brasil.
Lembraram, claro, que o Cristo Redentor é obra do escultor francês, Paul Landowski que é de origem polonesa, mas essa parte foi omitida. Aliás, toda a influência francesa foi mostrada, nem um pio sobre os holandeses, mesmo tendo passado por Recife mais de uma vez. Ok, era um programa para os franceses.
São Paulo foi mostrada em três segundos, do alto. O autor documentário disse que não iam parar ali porque o estilo de vida era muito parecido com o deles, não interessava.
Brasília foi bem mostrada, os franceses parecem gostar de Brasília. E dá-lhe Corbusier e toda a influência francesa, evidentemente.
Depois foi a vez de Olinda, mostraram muito tempo o carnaval, os gigantes. Recife de novo, Salvador, capoeira, yemanjá, cadomblé. De lá foram para Ourro Prrretô, Congonhas do Campo (só os profetas e falaram um pouco de Aleijadinho), São João del Rei. Fizeram a viagem de trem até Tiradentes.
E então foi a vez de Manaus, os mercados de peixe, o teatro Amazonas....influência de quem? Franceses, claro. Disseram que a atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923) se apresentou lá, eu não sabia disso e tampouco sabia que o teatro era chamado de Teatro da Selva (L’Opéra de la jungle).
Mesmo mostrando os apectos negativos há aquele encantamento do europeu e sobretudo do francês com relação ao Brasil. Erram em algumas análises, é difícil entender, por exemplo, a confusão religiosa no Brasil sem ser brasileiro. Por confusão eu quero dizer aquela liberdade que muitas pessoas têm de, por exemplo, se dizer Kardecista e na hora do casamento ir procurar a igreja católica, ou de frequentar um terreiro e, se precisar, ir à missa de vez em quando. Isso deixa qualquer europeu atordoado, coitado.
A frase do título foi tirada de um comentário que fizeram sobre a preservação do patrimônio histórico no Brasil.
Lembraram, claro, que o Cristo Redentor é obra do escultor francês, Paul Landowski que é de origem polonesa, mas essa parte foi omitida. Aliás, toda a influência francesa foi mostrada, nem um pio sobre os holandeses, mesmo tendo passado por Recife mais de uma vez. Ok, era um programa para os franceses.
São Paulo foi mostrada em três segundos, do alto. O autor documentário disse que não iam parar ali porque o estilo de vida era muito parecido com o deles, não interessava.
Brasília foi bem mostrada, os franceses parecem gostar de Brasília. E dá-lhe Corbusier e toda a influência francesa, evidentemente.
Depois foi a vez de Olinda, mostraram muito tempo o carnaval, os gigantes. Recife de novo, Salvador, capoeira, yemanjá, cadomblé. De lá foram para Ourro Prrretô, Congonhas do Campo (só os profetas e falaram um pouco de Aleijadinho), São João del Rei. Fizeram a viagem de trem até Tiradentes.
E então foi a vez de Manaus, os mercados de peixe, o teatro Amazonas....influência de quem? Franceses, claro. Disseram que a atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923) se apresentou lá, eu não sabia disso e tampouco sabia que o teatro era chamado de Teatro da Selva (L’Opéra de la jungle).
Mesmo mostrando os apectos negativos há aquele encantamento do europeu e sobretudo do francês com relação ao Brasil. Erram em algumas análises, é difícil entender, por exemplo, a confusão religiosa no Brasil sem ser brasileiro. Por confusão eu quero dizer aquela liberdade que muitas pessoas têm de, por exemplo, se dizer Kardecista e na hora do casamento ir procurar a igreja católica, ou de frequentar um terreiro e, se precisar, ir à missa de vez em quando. Isso deixa qualquer europeu atordoado, coitado.
Nós também temos ‘muitas’ ilusões e idéias preconcebidas a respeito dos europeus, e os americanos têm a respeito de todo mundo. É assim mesmo.
sábado, 18 de março de 2006
quinta-feira, 16 de março de 2006
Confissões de uma máscara
Vertente Editora
Tradução de Manoel Paulo Ferreira
Romance auto-biográfico, trata principalmente da infância e adolescência de Mishima. Nesse que foi seu primeiro livro de sucesso, o autor afirma que se lembra do exato momento do seu nascimento e parte deste instante. Narrado em um estilo quase poético, próximo do leitor, sem esconder dúvidas e a complexidade que envolve o personagem/autor Mishima, pseudônimo de Kimitake Hiraoka.
O autor cita aqui muitos personagens da mitologia cristã, Joana D’Arc que, por algum tempo o narrador tomava por um homem, São Sebastião que conheceu em pintura de Guido Reni e cuja beleza tanto apreciava, foi observando este quadro que ele teve sua primeira ejaculação. A imagem do santo perseguiu-o por muito tempo. Há inclusive uma famosa foto de Mishima em pose de São Sebastião.
Tradução de Manoel Paulo Ferreira
Romance auto-biográfico, trata principalmente da infância e adolescência de Mishima. Nesse que foi seu primeiro livro de sucesso, o autor afirma que se lembra do exato momento do seu nascimento e parte deste instante. Narrado em um estilo quase poético, próximo do leitor, sem esconder dúvidas e a complexidade que envolve o personagem/autor Mishima, pseudônimo de Kimitake Hiraoka.
O autor cita aqui muitos personagens da mitologia cristã, Joana D’Arc que, por algum tempo o narrador tomava por um homem, São Sebastião que conheceu em pintura de Guido Reni e cuja beleza tanto apreciava, foi observando este quadro que ele teve sua primeira ejaculação. A imagem do santo perseguiu-o por muito tempo. Há inclusive uma famosa foto de Mishima em pose de São Sebastião.
Neste livro Mishima já trata também da questão da homossexualidade, descrevendo, por exemplo, a paixão que nutriu por Omi, aluno que estudava na mesma escola que ele.
Dentre os autores ocidentais citados no livro destaco Oscar Wilde e Stephan Zweig.
Mishima foi um leitor ávido, ainda muito jovem teve contato com autores franceses e ingleses. Antes dos quatorze anos, para infelicidade do pai que considerava a literatura um verdadeiro veneno na sua vida, Mishima já trilhava o caminho das letras.
Há um filme do diretor Paul Schrader sobreo autor, Mishima: Uma vida em quatro capítulos, de 1985.
Mishima nasceu em Tóquio, em 1925 e suicidou-se em 1970 segundo o ritual do Seppuku.
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domingo, 12 de março de 2006
Janaína, a rainha do bar
Boa noite, tudo bem? Prazer, sou Janaína, mais conhecida como ‘Janaína, a rainha do bar’. Engraçado, não? Janaína é a rainha do mar, caso você não saiba. Não deve ter entendido o trocadilho, hein? Posso me sentar aqui um momentinho ou você está esperando alguém? Não se preocupe, é só um minutinho até eu te contar essa história do meu nome, você não se incomoda, né? Você é bem calado, hein? Não tem importância, eu falo por dois…quando bebo, então. Falando em beber, meu copo está vazio, posso servir um pouco dessa sua cerveja? Bom, quem cala consente. (Caramba, esse sujeito é mudo ou o quê?) Posso ver a capa do seu livro? Ah, capito, você é gringo. Como é que a gente vai se entender? Amanda, vem cá tentar me ajudar, o cara aqui é gringo, não tá entendo nada do que eu falo, olha aqui o livro dele, nem sei que língua é essa. Vem cá que eu quero tascar esse gringo hoje, me ajuda, cacete! Ei, ei onde é que você vai? A Amanda já vem traduzir pra gente….Ahn, você é brasileiro? E porque não falou logo, filho de uma égua, e eu me expondo desse jeito, que vergonha. Vai pro caralho, vai, vai caçar macho. Deixa prá lá, Amanda, que o idiota era brasileiro mesmo e já se foi, o boiola. Não tem importância, deixa prá lá.
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em Anjos de Prata
Leila Silva
Imagem: Edward Hopper - Nighthawks
terça-feira, 7 de março de 2006
Cartas desde el infierno
Ramón Sampedro
Grupo Editorial Planeta – Buenos Aires
Com prólogo de Alejandro Almenábar.
O autor trata, com grande coerência, do direito à euthanasia, palavra que significa ´boa morte`. Ramón defende com maestria o seu direito, rechaçando com argumentos sinceros e muito bem embasados todas as cartas que recebe de diferentes pessoas: médicos, jornalistas, estudantes que escrevem com o único objetivo de convencê-lo a continuar vivendo. Descobrimos em Ramón uma pessoa doce e respeitosa, mas que pode se mostrar direto e quase brutal com aqueles que desrespeitam ou não compreendem a sua causa, sobretudo se os argumentos que a apresentam forem de ordem religiosa já que ele é um ateu.
É interessante quando, na página 172 nos apresenta que a ‘arte da boa morte’ não nos foi ensinada porque aos dominantes interessa que o sofrimento seja visto como um dever moral porque esta é a sua fonte de prazer e bem estar. Assim, a sacralidade da vida teria sido ensinada por medo que os escravos renunciassem em massa ao inferno de suas vidas miseráveis.
O autor trata, com grande coerência, do direito à euthanasia, palavra que significa ´boa morte`. Ramón defende com maestria o seu direito, rechaçando com argumentos sinceros e muito bem embasados todas as cartas que recebe de diferentes pessoas: médicos, jornalistas, estudantes que escrevem com o único objetivo de convencê-lo a continuar vivendo. Descobrimos em Ramón uma pessoa doce e respeitosa, mas que pode se mostrar direto e quase brutal com aqueles que desrespeitam ou não compreendem a sua causa, sobretudo se os argumentos que a apresentam forem de ordem religiosa já que ele é um ateu.
É interessante quando, na página 172 nos apresenta que a ‘arte da boa morte’ não nos foi ensinada porque aos dominantes interessa que o sofrimento seja visto como um dever moral porque esta é a sua fonte de prazer e bem estar. Assim, a sacralidade da vida teria sido ensinada por medo que os escravos renunciassem em massa ao inferno de suas vidas miseráveis.
O conhecido filme Mar Adentro foi baseado neste livro.
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Este livro foi um presente da querida amiga Dani Sorris.
sexta-feira, 3 de março de 2006
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