domingo, 16 de outubro de 2005

Visitante






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Kuala Lumpur
Templo de Batu Caves
Leila Silva







[Dois mini contos sobre o mesmo tema: Visitante. O primeiro, Visita da dama de branco, é meu e o segundo, Visitante noturna, da Vera do Val]

Visita da dama de branco


Leila Silva

Nas mãos trazia sempre magnólias. Muitas vezes me visitou e em nenhuma delas vi algo que pudesse lembrar uma foice. Só a delicadeza das magnólias. Nunca pude definir o que se esboçava nos seus lábios, um sorriso, uma tristeza, um convite, uma ameaça?

Tantas vezes bateu à minha porta sem, na verdade, nunca ter ousado passar dos degraus da entrada. A não ser ontem, tão bela toda de branco, se aproximou de tal modo que pude sentir seu hálito quente, quase beijou-me os lábios. Implorei que ficasse ou me tomasse pela mão, me conduzisse...Impassível, meneou a cabeça e foi indo, como veio. Nem as magnólias me deixou.

Magnólias também têm seu tempo.
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Visitante noturna
Vera do Val

Rua estreita e antiga, tudo muito quieto, grandes árvores e jardins, o prédio meio desbotado. Ela subiu as escadas quase pairando; tocando suave o corrimão, no rastro dos dedos dele. Atravessou a porta e reconheceu a sala. Sorriu para os livros espalhados, preciosidades de cores e texturas e o imaginou ali, debruçado na mesa redonda, a ler, quase bêbado, absorto. A escrivaninha ,embaixo da janela de postigos altos, dizia das noites insones. Flutuou sussurrando ternuras, acariciou o sofá de grandes flores azuis ,mergulhou os pés, com preguiça, no tapete cremoso, sentindo o silencio e o chiar do aquecedor. No quarto a luz suave do abajur, travesseiros esparsos.
E ele, adormecido, na cama alta e larga.
Aproximou-se devagarinho. Os cabelos escuros, os olhos fechados, as mãos que ela amava. Viu o corpo do homem derramado, o abandono nos lençóis muito brancos. Cuidadosa desenhou a boca macia com a ponta dos dedos, tocou as têmporas, roçou a pele quente e úmida do sono. Tateou seu macho, reconheceu seus caminhos. Com carinho infinito as mãos em concha se perderam entre as pernas dele. Quando ouviu o gemido se esfumou no ar.

Como uma verdadezinha azul !

Quando ele acordou sentiu o cheiro.

8 comentários:

  1. Anônimo5:11 PM

    Não trago magnólias
    Nem amores,
    Nem alegrias,
    Nem tristezas...
    Apenas na lapela
    Jaz um cravo
    Exalando saudade.

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  2. Anônimo5:22 PM

    Um tema, duas visões. Parabéns Leila e Vera.

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  3. Lindos micros, duas visões femininas.

    besos,

    Mhel

    Leila, já dei o crédito da foto com link para seu blog.

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  4. Anônimo12:50 PM

    Gostei dos dois. Imensamente do seu. E dessa frase final do conto de Vera: um verdadeiro achado.

    Beijo numa, beijo noutra.

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  5. Eu não digo que vc é bamba? ótimo, que delicadeza.
    O outro é mto bom tbm gostei mto. Parabéns às duas. bj laura

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  6. Duas visões, dois sentimentos, duas poesias se fundindo. Nós, leitores, é que ganhamos.

    carlos

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  7. Anônimo9:07 AM

    e por tudo isso comentado aí em cima - e mais um pouco - é que dei nota máxima presses contos pares lá na OE. Bj.

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  8. Oi Leila,
    obrigado pela visita ao Casa,
    de uma delicadeza nuvem este teu conto. Sem contar a camada invisível de ironia adornando o texto.
    beijos
    Rubens

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