sexta-feira, 13 de junho de 2008

Não creio em bruxas, mas...

[Este meu conto está no Portal Literal deste mês. Já foi publicado aqui há muito tempo. Já deu para perceber que não tenho nada novo, não?]

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Lorena, com seu rosto de uma brancura alabastrina, nariz minúsculo e olhos que lembravam dois lagos plácidos comoveu-me à primeira mirada. Sou do tempo em que, para se descrever uma mulher, não temíamos os clichês. Casamo-nos depois de muito verbo, muitos presentes, muita amolação dos meus filhos que não queriam ver a herança escorrendo para mãos alheias. Um dia chego em casa ansioso por beijar minha doce Lorena e a encontro com Letícia, bebendo e rindo. ‘Minha melhor amiga’, disse ao apresentá-la. Semanas seguidas, ao chegar, tinha que fazer face àquela irritante presença. Insisti com Lorena para que fizéssemos uma viagem, ela recusou, não só recusou como explicou que ela e Letícia iam viajar juntas para uma convenção de bruxas, sim, que eu acreditasse, eram bruxas, eu podia esquecer tudo aquilo que conhecia sobre velhas de dentes pretos e nariz cheio de verrugas. Fez até uns truquezinhos para provar. Esperneei, aquilo já era abuso, ela ameaçou anular o casamento e eu cedi porque, apesar de todas as estranhezas, não queria arriscar-me a perdê-la. Por mais de um mês estiveram a viajar, meus filhos aproveitaram o tempo para aporrinhar-me, tratando-me como um velho gagá que tinha abandonado por completo o bom senso. Mas não era o meu senso que os preocupava.

Chegaram as bruxas, sim, chegaram, no plural. Encontrei-as dormindo na sala, livros jogados aqui e ali. ‘E então?’ Resmunguei alto com o claro intuito de acordá-las. Abriram os olhos se espreguiçando como duas gatas, disseram que estavam estudando bruxarias e caíram no sono....Olhei para as capas: Anaïs Nin, Virginia Woolf? Nunca me ocorreu que tivessem sido bruxas. Riram a mais não poder da minha observação e nem se deram o trabalho de explicar a bizarrice. Maldito o dia em que sucumbi, em que olhei para aqueles olhos, estava mesmo senil. Suspirei desanimado e sentei-me no sofá na frente delas. Comovidas pela minha resignação, vieram as duas, sentaram-se cada uma de um lado, passaram as mãos na minha cabeça e perguntaram, com uma doçura que me espantou, se eu estava bem e se desculparam pela risada sem propósito. Vocês são mesmo bruxas? Perguntei. Somos umas bruxinhas amadoras. Foi Letícia que respondeu, com uma voz brincalhona. Olhei para ela e só então percebi como era bonito o seu sorriso. Você vai morar aqui, Letícia? É um convite? Foi sua resposta. Era certo que eu estava perdendo a cabeça. Correu para a cozinha dizendo que ia preparar um banquete para comemorarmos, e preparou mesmo, fazia tempo que eu não comia e bebia tão bem. Preparam ainda meu banho, minha cama, contaram-me histórias até eu dormir, mas, quando acordei, não era em minha cama que Lorena estava. Levantei cedo e lá vieram as duas dar-me bom dia com beijinhos de filhas comportadas, agradecendo por eu ter ‘deixado’ Letícia morar conosco.

Agora nossos dias correm tranqüilos, adequei-me a esse estilo. É faltar uma delas em casa e já fico confuso.

Bruxas? Não acredito.
...
Leila Silva Terlinchamp

12 comentários:

  1. ...Mas que elas existem, exitem.

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  2. Anônimo6:18 AM

    Bem que eu tentei avisar, no Elogio da Mentira, que literatura é coisa do diabo. Ou, no caso, de bruxas. Sensacional, Leila. Beijo.

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  3. Não seriam três bruxos?

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  4. Anônimo6:13 AM

    Acho que você mexeu, nesse conto, com um dos grandes fetiches do homem atual. E o fez de forma sutil, numa prosa esperta e bem conduzida. Eu estava esperando um outro final, mas a rodriguiana adaptação dele à situação inusitada deu um toque especial ao desfecho. Um abraço!

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  5. minha bisavó contava que a filha dela, minha tia-avó, havia sido enfeitiçada por uma bruxa... nunca duvidamos de que as bruxas existissem.
    Gostei! Um bom abraço.

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  6. Adorei, Leilox. Danadas estas bruxas...hehe beijos, saudades, Mhel

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  7. Anônimo3:01 PM

    Maravilha suas bruxas. Gostei muito. Saudadona

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  8. Anônimo4:30 PM

    Andei viajando. Só agora leio seu ótimo conto.

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  9. Anônimo12:00 PM

    Delicioso Leila. Tão leve e tão sutil... Abraço,

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  10. pois, é k há bruxedose ....bruxedos....ou feitiços e enfeitiçamentos...boa semana. Bjs de luz e paz

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  11. Anônimo6:57 AM

    Ótimo conto, adorei esse contraste entre a leveza, os risinhos do texto, e a última frase, bem pé no chão! É minha primeira visita mas vou voltar.
    Ah! Na apresentação da Bélgica, lá no comecinho, é bom lembrar dos gobellins também. Acho até que essa arte começou aí. Se não começou, com certeza atingiu a perfeição. Bjs.
    Marilia

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  12. Anônimo4:06 PM

    Clap clap clap

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